Justiça ou injustiça é algo que não existe no futebol, diz o ditado. O império do resultado sempre encontra algum argumento que o justifique, inclusive quando há erros de arbitragem a seu favor. Mas não é essa a questão que embala a grande cena épica desta Copa do Mundo, escrita nesta quarta-feira (11) pela Croácia, um país de quatro milhões de habitantes capaz de eliminar a poderosa Inglaterra de virada e, assim, cravar a bandeira na final de domingo (15), contra a França, à bordo de um 2 a 1 formidável. Ocorre que a vitória dos croatas foi a vitória do futebol.
Com as 22 finalizações de onde a Croácia extraiu os gols de Perisic e Mandzukic, o time do técnico Zlato Dalic chegou ao número redondo e mágica de 100 finalizações. Nenhuma outra seleção, das favoritas que ficaram no meio do caminho à proclamada geração dourada belga, buscou o gol tantas vezes. Se tanta produção ofensiva fosse impedida de avançar justamente contra o balonismo futebol clube da Inglaterra e seu trio de zagueiros, goleiro e volantes rebatedores, o que seria de nós?
A Copa dita tendências. Estamos livres da consagração das linhas de cinco e quatro lá atrás, só jogando no erro do adversário, sem nenhum jogador que realmente possa se chamar de craque. Imagine um campeão do mundo sem um craque sequer? Seria o caso da Inglaterra. A Croácia impediu o triunfo da mediocridade. Nada contra a organização defensiva, mas da maneira como os ingleses propuseram em Moscou? Em uma semifinal de Copa, como representantes do país inventor do nobre esporte bretão — com o perdão da redundância?
Sabe quantas vezes a Inglaterra acertou a bola na direção da meta de Subasic? Uma única, o belo gol de falta de Tripper. Depois de largar na frente, se fechou como uma ostra, à espera de uma bola esticada para a velocidade de Sterling. No primeiro tempo ainda funcionou, defensivamente. Mas na segunda etapa, virou o futebol contra o anti-futebol. O goleiro Pickford isolou a bola 11 vezes, vendo-a voltar todo instante, em triangulações ordenadas por Rakitic (que jogou mais adiantado) e Modric (mais recuado, desta vez). Eles caíam pelos lados, promovendo tabelas com atacantes Rebic e Perisic, mais a passagem dos laterais Vrsalijko e Strinic.
Não se pode condenar o pobre goleiro Pickford em dar tanto balão. Quando o meio-campo inglês buscava algo parecido a uma troca de passes, ou os zagueiros do 3-5-3 de Southgate saíam jogando, Deus do céu. Gauchão é melhor. Teve domínio de canela de Walker, bola fugindo do controle de Henderson, zagueiros moscões não vendo o atacante chegando. Perisic, o nome do jogo ao sair da esquerda e acampar na área, no segundo tempo, empatou assim. Fixados em Mandzukic, os ingleses esquecerem dele, que fez a diagonal às costas dos zagueiros.
A assistência para a virada de Mandzukic, já na prorrogação, também foi de Perisic, que ainda acertou a trave depois de uma pedalada na frente do zagueiro. A Croácia buscou o ataque, ao seu modo, com bola no pé. Quem assume essa responsabilidade corre mais riscos, e os croatas toparam este desafio. Nem sempre foram efetivos. Houve momentos em que a bola só rodava, mas na hora decisiva eles foram para dentro, buscando o drible, mesmo cansados após prorrogação contra Dinamarca e Rússia.
A Croácia na final da Copa da Rússia, e não a Inglaterra, é a vitória do futebol. Pode até perder para a França, mas aí será para um time recheado de talentos, como Mbappé, Griezmann e Pogba. Viva os croatas, que nos salvaram pelos próximos quatro anos.
BRASIL IÁ-IÁ
Na antevéspera da semifinal do Estádio Luzhniki, em Moscou, Mandzukic gostou da ideia de representar o futebol brasileiro, após a eliminação da Seleção. A pergunta veio de um repórter estrangeiro. De alguma maneira, o Brasil foi um pouco Croácia contra a Bélgica. Depois do gol contra de Fernandinho, empilhou situações. Foi assim com os croatas, após a Inglaterra sair na frente. Mas é preciso traduzir chances e volume em gols, e isso a Seleção não soube fazer. Mas o sorriso de Mandzukic ao ser comparado com o Brasil não deixa de ser um alento.
VIDA LONGA
Certo que o filho do zagueiro Vida já virou mascote da Croácia e da Copa. O piazinho estará nas capas de muitos jornais do mundo todo. A imagem dele nos ombros do pai, sorrindo, os olhos arregalados, e depois com os pezinhos na grama correndo atrás da bola e pisando na bandeira do seu país, já viralizou. O sobrenome deve ter outro significado no idioma natal. Mas, para nós, é perfeito. Vida longa ao futebol.
KANE, A BRISA
E o grande Harry Kane, o candidato a artilheiro da Copa dos gols de pênalti? Na hora decisiva, sumiu. Já Manduzkic, que só tinha feito um na Rússia, compareceu quando a Croácia mais precisava dele. Ninguém lembrará dos gols do "furacão" Kane, que virou brisa. O mundo lembrará para sempre da virada sobre os ingleses, assinada por Mandzukic.
TITE CROATA
Assim como Tite, o técnico Zlato Dalic pegou a Croácia no meio do caminho, quando as coisas não iam bem nas Eliminatórias. Acreditando em um futebol de posse de bola e finalizações, escalando muitos jogadores de características ofensivas, está a um passo do paraíso. Só tem uma diferença em relação a Tite. Dalic adora um mistério.
MISTÉRIOS DE DALIC
O treinador croata deixou andar a informação de que Vrsaljko tinha grave lesão no joelho. Que nada. O lateral não só jogou como foi o que mais correu. O Kramaric deu entrevista oficial na Fifa, na antevéspera, ao lado de Mandzukic, para que todos o dessem como certo no time. Puro despiste. O meia ficou no banco, em nome do volante de contenção Bromovic.
SÓ FERA
Anote aí onde jogam os titulares da Croácia: Barcelona, Real Madrid, Milan, Internazionale (dois jogadores), Juventus, Liverpool, Monaco, Besiktas, Entreicht Frankfurt e Atlético de Madrid. É um time totalmente de grife, de altíssimo nível do goleiro ao último atacante. Se for campeão, chamaremos de zebra por ter menos tradição. No campo, é só fera.