David Coimbra

David Coimbra

Colunista de ZH e GZH e comentarista da Rádio Gaúcha, teve 18 livros publicados. Prêmios: 10 ARI, Esso de Reportagem, Direitos Humanos, Habitasul de Literatura, Erico Verissimo de Literatura, Açorianos de Literatura, entre outros. David faleceu em 27 de maio de 2022 após 10 anos de luta contra o câncer. Suas crônicas seguirão disponíveis em GZH.

Pandemia

Duas doses de vacina não protegem contra o trauma

 Li que a vacina garante 95% de proteção, e fico pensando nos 5%. Porque estou há um ano e meio ouvindo falar de casos horripilantes

David Coimbra

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Eu ia me exibir, contando que tomei a segunda dose da Pfizer, mas depois decidi ser humilde. Sou um homem discreto, afinal. Além do mais, podem ficar me julgando: “Ah, tomou vacina americana... Só podia. Americanófilo!” Sabe como é o povo: vê maldade em tudo. 

Mas a verdade é que, ainda assim, não me sinto seguro. Isso é muito estranho. Li que a vacina garante 95% de proteção, e fico pensando nos 5%. Porque estou há um ano e meio ouvindo falar de casos horripilantes. Um sujeito tomou as duas doses, mas foi hospitalizado e entubado. Outro, morreu miseravelmente. Tem uma senhora que se curou, mas faz seis meses que não sente o gosto de nada. 

Essas coisas assustam a gente. Entenda, leitor: durante todo esse tempo, tenho conferido a média de mortes do dia. Sabe lá o que é isso? Todos os dias vendo quantos morreram? Não quero mais saber da média de mortes de pessoas. 

Outra aflição são essas variantes. A cada semana surge uma variante nova e mais agressiva. Será que a vacina funciona contra as variantes? Ninguém sabe, ninguém viu. 

Não bastasse tudo isso, agora apareceu um troço de nome assustador: “Fungo Negro”. Metade das pessoas que pegaram esse Fungo Negro, lá na Índia, morreram, e algumas tiveram de se submeter a operações mutilantes, como extração dos olhos. 

Meu Deus! 

Reconheço: estou traumatizado. Devia estar feliz com a vacina, mas fico pensando: “E as novas cepas? E a terceira onda?” 

É que essa pandemia conseguiu abalar a minha crença na ciência moderna. Eu lia sobre a peste negra, sobre a gripe espanhola, sobre a lepra, e pensava: “Como eles sofriam naquele tempo”. 

Esse “tempo” era tudo que veio antes do desenvolvimento da medicina, antes dos antibióticos, das vacinas, da anestesia. A partir do século 20, o homem parecia ter controlado os grandes males que o atormentavam e a vida tinha tudo para se tornar mais fácil e leve. 

Isso era o que pensava, só que o coronavírus mostrou que não é bem assim. Um organismo frágil, que se desmancha com água e sabão, submeteu a Terra inteira, prendeu as pessoas em suas casas, fechou comércio e indústria, trouxe crise, fome e medo ao planeta. 

Como é que isso foi acontecer? 

Minha confiança na capacidade do Homo Sapiens está definitivamente trincada. Derrotamos os Neandertais e os tigres dente-de-sabre, mas perdemos para um organismo sem nenhuma sofisticação, invisível a olho nu, que alguns cientistas acham que nem vivo está. 

Francamente, estou decepcionado com a Humanidade. E não é a primeira vez. 



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