Hambúrguer não é xis. HAMBÚRGUER NÃO É XIS! Misturaram os dois, nesta sexta-feira, que, por algum motivo, foi consagrada como “O Dia do Hambúrguer e do Xis”. Causou-me espécie tal junção. É como querer casar Grêmio e Inter alegando que são iguais. Ora, parecidos, sim; iguais, nunca.
Algum hamburguerista militante haverá de argumentar que o hambúrguer veio antes e merece primazia. Está certo, mas isso não elimina a rivalidade. O Grêmio também veio antes do Inter, lembre-se, e a rivalidade Gre-Nal viceja e pulsa.
Além do mais, o hambúrguer não é o primeiro dos primeiros desse tipo de refeição. O pioneirismo cabe ao vulgar sanduíche, criado ainda no século 18 pelo Conde de Sandwich. A história é bem conhecida: o conde era um adepto do carteado. Para não interromper a jogatina, ele pediu que seus criados pegassem duas fatias de pão e, entre elas, introduzissem frios, salames ou mesmo finíssimas fatias de carne. Assim, ele comia à mesa de jogo, com os ases numa mão e o jantar na outra.
O hambúrguer foi uma adaptação de carne moída dessa invenção e, como o nome indica, surgiu na cidade portuária de Hamburgo, na Alemanha, de onde partiram emigrantes para os Estados Unidos. Aí, sim, o hambúrguer se notabilizou. No início, como uma refeição popular e barata. Mas, depois, o célebre restaurante Delmonico’s, de Nova York, o incluiu em seu cardápio, e o hambúrguer virou um clássico. Hoje, qualquer restaurante dos Estados Unidos serve hambúrguer, sempre acompanhado de fritas, que americano tem paixão por batata frita.
O xis, não. O xis autêntico não leva batata frita. Até porque ele é muito maior do que o hambúrguer e seu bife não é de carne moída, é bife mesmo. O hambúrguer é do tamanho de um punho, quase minúsculo, mas ganha do xis em altura.
Uma vez, eu estava em Boston e fui jantar em um pub. Na mesa ao lado da minha, sentaram-se duas moças bem jovens e pediram hambúrgueres. Quando os pratos delas chegaram, espantei-me, exatamente, com a altura do hambúrguer. Havia mais ou menos um palmo entre uma fatia e outra de pão, algo que não caberia em nenhuma arcada dentária humana. Fiquei imaginando como elas fariam para lidar com aquele arranha-céu do qual pendiam tiras de bacon. Então, a mais magrinha agarrou o hambúrguer com as duas mãos, enquanto a outra falava. E ela apertou os pães e comprimiu o conteúdo com energia e, sem hesitação, levou à boca e desferiu uma dentada vigorosa naquilo tudo. Fiquei admirado com sua destreza. Concluí que essa habilidade em manejar hambúrgueres verticalmente avantajados é um conhecimento adquirido por dezenas de anos de cultura do país. Faz parte do inconsciente coletivo americano, como ensinaria Jung.
Porque os Estados Unidos, realmente, são a terra dos hambúrgueres e, mesmo que nós tenhamos agora todo o gênero de hamburguerias brasileiras, há de se admitir: os deles são melhores do que os nossos. É praticamente só nisso que os americanos nos ganham em gastronomia. De resto, o tempero e a manemolência tornam a cozinha brasileira inalcançável para eles.
E os Estados Unidos também não têm xis, lembremos. Têm cheese, não xis.
Ele, o xis, fala da nossa natureza gaudéria, revela quem nós somos de fato. Pois, pergunto: o que é o xis? Eu mesmo respondo: são dois grandes discos de pão separados por queijo derretido, maionese e muitos, muitos outros alimentos, como milho e ervilha, inclusive os mais improváveis, como estrogonofe e coração de galinha. São tantos os ingredientes, no recheio do xis, que os pães têm de ser severamente prensados, ou não existiria boca capaz de mordê-los, nem mesmo a daquela garota do pub de Boston. Em resumo: o xis é uma selvageria. É como o espeto corrido – um exagero, uma demasia, uma prova de como nós, gaúchos, somos uma civilização proteica. Nos batemos demais uns com os outros, discutimos demais, questionamos demais e, assim, precisamos de energia demais. O xis nos define. Somos um pouco bárbaros. Não nos venham com grão de bico. Não nos venham com suflês. Respeitem as nossas calorias.