Nos anos 80, a Rede Globo encomendou a uma dupla de luxo, Chico Buarque e Tom Jobim, a música de abertura de uma minissérie histórica, “Anos Dourados”. Tom Jobim aprontou a melodia, entregou para a emissora e o Chico... nada da letra... A série estava pronta para estrear, o pessoal da emissora ligava para o Chico e... zero...
Tom já sabia que o Chico é assim mesmo: gosta de trabalhar sob encomenda, mas tem seu próprio tempo. Uma vez, ele, Tom, compôs a melodia de Wave e pediu para Chico botar a letra em cima. Chico ficou entusiasmado e logo bolou a primeira frase: “Vou te contar...” E não escreveu mais. As semanas e os meses iam passando, e ele não fazia a letra. Até que Tom se irritou e decidiu ele mesmo completar a canção: “Os olhos já não podem ver, coisas que só o coração pode entender”. E assim por diante.
Os atrasos do Chico eram normais, portanto. Mas a Globo não podia esperar. A série estreou apenas com a melodia de abertura e só depois, bem depois, Chico aprontou a letra. Que é pura poesia, diga-se. Talvez seja a minha música preferida do Chico Buarque.
O que “Anos Dourados” consegue nos fazer sentir é uma nostalgia dos dezembros dourados do Brasil. Eu pensava muito nisso, quando morava nos Estados Unidos. Porque, se o Natal na neve e no frio é mais bonito, o resto do mês de dezembro é bem mais animado nos trópicos. Por aqui, existe uma sensação de encerramento de um ciclo e começo de outro, algo que, nos Estados Unidos, se dá mais no meio do ano, quando se inicia o verão.
Então, ao ouvir “Anos Dourados” sinto uma doce melancolia de um tempo em que a vida era mais fácil e leve. E que tempo é esse? Para qualquer pessoa, obviamente, são os anos da juventude, em que a rigidez dos músculos e a flexibilidade das articulações combinam com a deliciosa possibilidade de ser irresponsável.
No caso de um porto-alegrense, como sou, seriam os anos em que comíamos xis de pé, em frente aos antigos trailers que serviam lanches madrugada afora. Porque Porto Alegre, nessa época, era também mais fácil e leve. Estou falando dos anos 80 até meados dos 90. A cidade crescia e se sofisticava, até que, em algum momento, começou a se deteriorar. Claro, esse é um processo lento, não ocorre de um ano para outro, vai acontecendo no gerúndio, aos poucos, mas inexoravelmente.
Sinto tristeza ao andar pelas ruas da Capital e ver as paredes pichadas, prédios abandonados, comércio fechado, placas de aluga-se ou vende-se em toda parte, gente debaixo das sinaleiras ostentando cartazes em que pedem esmolas, gente dormindo ao relento, barracas de lona armadas em calçadas ou praças públicas.
Nos tempos dos trailers de xis e cachorro-quente não era assim. Era tudo mais ameno, tudo menos sério. Anos dourados. Será que um dia voltarão?