Suponho que o Papa não se importe com comentários de internautas. O que lhe ocupam a mente são elevadas questões divinas e a melhor maneira de conduzir seu imenso rebanho pelo caminho da retidão. Mas, caso ele se preocupe com assuntos menores, como o que vai pelas redes, talvez esteja intrigado com a reação de alguns brasileiros à brincadeira que fez esta semana. Durante um evento no Vaticano, um padre pediu que ele abençoasse o Brasil e Sua Santidade caçoou:
A frase é perfeita, vale uma letra de samba. Tem até rima.
É óbvio que o Papa estava brincando, ele é um argentino gozador. Mas também é óbvio que alguns chatolas se sentiram insultados. “Ele está chamando a nós todos de cachaceiros!” Af!
O grande problema do mundo moderno não é a polarização. É a forma como as pessoas se levam a sério. Elas são muito suscetíveis, elas se ofendem facilmente. Qualquer coisa que você disser, sobre qualquer assunto, pode gerar uma interpretação arrevesada e deixar alguém aborrecido.
O pior é que se estabeleceu um conceito esquisito: se a pessoa se sentiu injuriada, ela tem razão. Por favor! Às vezes, uma brincadeira é apenas uma brincadeira. Se você tem boa vontade (paz na Terra aos homens de boa vontade!), você se esforça para compreender e tolerar o outro, ainda que a brincadeira que ele tenha feito possa ser de natureza dúbia.
Não estou dizendo que não existam brincadeiras maldosas, que fazem mais bullying do que riso. Existem. Como existem, também, grosserias. Mas, se o receptor não estiver eternamente armado, procurando motivos para protestar, ele saberá a diferença entre uma coisa e outra.
Isso de o Papa falar da cachaça brasileira não só não deveria ofender, como deveria ser exaltado. Porque, sim, se tem algo que nos dá fama positiva no Exterior é a cachaça. Os estrangeiros AMAM caipirinha – americanos dizem “caipiurinha”.
Certa feita, o Luiz Zini Pires, quando era editor de Mundo em ZH, foi almoçar com um cônsul de um país europeu. De aperitivo, o gringo pediu uma caipirinha. Enquanto bebia, suspirava e comentava:
— Não sei como vocês bebem uísque, se têm essa bebida maravilhosa, que é a cachaça.
Então, pediu outra. O primeiro prato chegou e ele foi na terceira. Durante a refeição, avançou na quarta, na quinta e na sexta caipirinhas. O Zini só olhando. De sobremesa? Mais uma. Quando o jantar acabou, o cônsul olhou desolado para seu copo vazio e o Zini o animou:
— Pede mais uma!
Ele sorriu:
— Vou pedir!
E bebeu sua retumbante e gloriosa oitava caipirinha.
Alguns estrangeiros, mais do que nós, sabem o que temos de bom. Viva a referência do papa à nossa cachaça, portanto. Mas houve algo que ele falou, que, aliás, também foi de troça, sem maldade alguma, só que me calou fundo na alma. Foi a frase:
Estremeci, quando ele disse isso. Era uma brincadeira, era uma graça, mas não deixa de ser uma verdade. Nós, brasileiros, não temos salvação.