Minha amada sogra Ana Maria deu-me de presente um livro que era do pai dela, o velho “gaúcho Dubita Camps”, como conheciam-no pelo Pampa afora. É um livro publicado em 1958, a propósito da vida de Nero, escrito pelo jornalista italiano Carlo Maria Franzero.
Um livro de mais de 60 anos de idade a respeito de um imperador romano. Exultei. Diversão garantida! As histórias dos césares e de suas famílias são das mais extraordinárias da Humanidade. Pudera: um césar detinha poder absoluto sobre o maior império do mundo. Podia fazer o que quisesse, com quem quisesse. Então, eles faziam horrores.
Nero cometia incesto com a mãe, Agripina. Que, aliás, foi ela própria grande personagem. Era uma daquelas mulheres inescrupulosas e ardilosas, típicas do patriciado romano. E linda, o que, inclusive, é comprovado por estátuas dela. Sua rival de morte era Messalina, muito já escrevi acerca de Messalina. É uma das minhas mulheres preferidas na história. Tratava-se de uma loirinha atraente que nutria enorme apreço pelas lides sexuais. Tanto que, às vezes, quando se sentia aborrecida no palácio, punha-se debaixo de uma peruca preta e ia se entregar ao amor a soldo na Suburra, o bairro da prostituição da Cidade Eterna. Narram, os cronistas maliciosos, que Messalina só voltava para casa depois de se repimpar com pelo menos uma dúzia de amantes.
Cláudio, o antecessor de Nero, foi casado com ambas, Agripina e Messalina. Isso o torna um dos maridos mais traídos da História. Ele só não é o maior corno de todos os tempos porque eu mesmo conheci um marido que foi vítima da infidelidade de sete mulheres diferentes.
Fala-se muito mal de Cláudio. Que era tolo, que era fraco, que babava ao abrir a boca e tudo mais. A propósito, a palavra “claudicante” vem dele, porque Cláudio mancava. No entanto, o inglês Robert Graves escreveu uma novela sob o título “Eu, Claudius, imperador”, que o redime. É um ótimo livro. Leia-o, se você ainda não o fez, e depois me agradeça.
Neste romance, escrito como se fosse a autobiografia de Cláudio, ele conta como, na verdade, se fez de bobo para sobreviver naquele meio sensual e violento da corte palaciana romana. Cláudio precisava parecer inofensivo sobretudo para o imperador que o antecedeu, o famigerado Calígula. Aliás, você já assistiu ao filme “Calígula”, de 1979, um dos mais insultados e desancados da história do cinema? Assista, e você verá como a sociedade romana da época movia-se por sexo e sangue.
Repare: se eu começar a encadear as histórias desses imperadores e suas famílias, ocupo o jornal inteiro com casos escabrosos. Que são, obviamente, os mais saborosos. Só que, hoje em dia, os historiadores dizem que não foi bem assim. Dizem que seus antecessores romanos, Suetônio, Plutarco, Dion Cássio e outros escreviam com motivações políticas. Ou seja: eles exageraram e até inventaram escândalos sobre os nobres romanos.
Faz sentido essa constatação, admito, mas isso me decepcionou. Gostava tanto daqueles contos lascivos e cruéis dos césares... Cheguei a me desinteressar um pouco pela história dos imperadores desvairados, não sentia nem vontade de ler livros como o que ganhei da minha sogra, até que... pensei no Brasil. Imaginei nossos políticos usufruindo de poder vitalício e total, podendo nomear um cavalo como senador, como fez Calígula com seu Incitatus, ou podendo se homiziar numa ilha onde apenas satisfariam seus estranhos apetites sexuais até com nenês, como fez Tibério, ou ordenar que todos os habitantes do país adotassem o seu próprio nome, como fez Cômodo, a Besta Fera. Se eles pudessem fazer tais coisas, perguntei-me a mim mesmo, eles fariam? E a resposta foi: Sim! Eles já são esdrúxulos, eles já são alucinados. Com poder ilimitado, seriam muito mais. Para mim, essa conclusão foi um alívio. Sorri e tomei meu livro, suspirando antes de começar a leitura. Os desatinados políticos brasileiros salvaram toda a graça da história do império romano.