Depois de 15 dias de recolhimento, ter um Gre-Nal de decisão de campeonato para voltar a escrever é um luxo. O dia foi feio e cinza, é verdade. O jogo foi mais brigado que jogado, também é verdade. Mas, ainda assim, trata-se de um luxo. Até porque há coisas especiais nesta decisão. Há alvíssaras, sobretudo no lado vencedor, o Grêmio.
Uma não chega a ser uma alvíssara, e sim uma renovada constatação: Pedro Geromel. Depois da semifinal, o técnico do Caxias foi perguntado a respeito da razão de o seu time não ter conseguido mais jogadas de perigo. Ele respondeu:
— O zagueiro do Grêmio é o Pedro Geromel.
Não precisou dizer mais nada, estava explicado. Geromel virou adjetivo. Geromel é um fenômeno de antecipação, de colocação, de visão do lance defensivo. O Rio Grande do Sul teve monstros na zaga central: Nena, do Rolo Compressor, Aírton, 12 vezes campeão, Figueroa, bruto e poeta ao mesmo tempo, De León, o capitão campeão do mundo, além de Oberdan, Índio, Adilson, Mauro Galvão e Lúcio, entre tantos. Geromel suplanta a todos, e afirmo essa temeridade sem nem ter visto Nena e Aírton jogarem.
Neste domingo, Geromel passou a tarde afastando a bola da área do Grêmio. Alguém mais distraído diria que a bola sempre ia onde ele estava. Ao contrário: ele SABIA onde a bola cairia. Geromel olha para o atacante e antevê o que ele vai fazer. Com Geromel e Kannemann — que ficou de fora do clássico deste domingo, substituído por Ruan — na área, o sempre atento Thiago Santos à frente deles e o seguro Brenno atrás, o Grêmio fica perto do impermeável.
Mas o protagonista do jogo não foi nenhum desses: foi o ponta-esquerda Ferreirinha. Gosto de escrever isso: ponta-esquerda. Há uma história antiga a respeito de pontas, já contei, conto de novo, é boa. Numa cidade do interior profundo do Brasil, o Exército estava procedendo o alistamento de novos recrutas. Havia uma fila de jovens diante da mesa do sargento, que ia tomando nota dos dados. Ele perguntava para cada candidato:
— Nome?
— Idade?
— Profissão?
Assim por diante. Até que chegou um mais retaco, mais fortinho, fez posição de sentido, deu o nome, deu a idade e, ao chegar na profissão, detalhou:
— Eu marco ponta!
Era como funcionava, antes. Havia o ponta e havia o marcador de ponta. Até que o ponta foi banido, os times queriam se fechar, eram quatro no meio-campo, cinco, até seis.
Bem, agora eles estão de volta, e Ferreirinha é um lídimo representante dessa estirpe. Ele fez o gol do título, dando um corte seco, de ponta, no marcador do Inter. Ele prendeu a bola na esquerda durante quase todo o tempo de prorrogação. Ele foi o jogador mais perigoso da partida.
O Grêmio tem ponta-esquerda. O que é bonito. E terá ponta-direita, Douglas Costa, que está chegando. Com um pormenor, que valoriza ainda mais as loas que teci ao zagueiro aí de cima: foi Geromel que acertou sua contratação. Um zagueiro craque que contrata atacante craque. Não. Nunca houve ninguém como Geromel.