Estou com a impressão de que esse bicho nunca mais vai nos deixar em paz. Outras doenças, como a varíola e a pólio, foram erradicadas pela vacinação, mas o corona é solerte, ele se transforma, ele vai procurando frestas nas nossas defesas e se infiltrando. Antes, atacava pessoas mais velhas, ou que tivessem comorbidades, ou que estivessem acima do peso. Agora, descobriu que há uma massa de jovens incautos para se alojar e incomodar.
Países em que tudo parecia sob controle, como Israel, Inglaterra e Alemanha, já estão impondo novas restrições à população devido às variantes que surgem a todo momento. Malditas variantes!
Durante muito tempo ainda nós teremos de tomar cuidados. Talvez para sempre.
A propósito: não consigo mais premer os botões de um porteiro eletrônico ou de uma maquininha de cartão de crédito sem sentir um estremecimento interior. Fico pensando em quantos dedos apertaram aqueles botões, fico imaginando os locais pelos quais chafurdaram aqueles dedos, fico calculando a quantidade de vírus, bactérias e micróbios vulgares que estão acumulados naquelas pequenas superfícies e tenho vontade de gritar:
— Álcool gel! Preciso de álcool gel purificador agora!
Isso, bem sei, vai continuar comigo. Levarei tubos de álcool gel nos bolsos pelo resto da vida. Sabe por quê? Por causa de vocês! Porque sei como vocês carregam imundícies!
Sim, vocês espalham germes por toda parte com seus dedos, com sua tosse, com seus espirros, com sua mera respiração! Howard Hughes, quem diria, estava certo.
Agora me diga, seja sincero: como será encarado o gaudério hábito da roda de chimarrão, depois dessa nossa longa e infausta experiência com o corona? Aí é que está. A roda de chimarrão acabou, meu amigo! Acabou! Você só dividirá sua cuia com quem tem muita intimidade. Não tem mais essa de chegar no galpão e ser recebido com um mate quente, nem de dar uma bicada no chima que circula entre os colegas da firma, nem de ficar passando a cuia de mão em mão na areia da praia.
Isso acabou.
Bem sei que, neste momento, há gaúchos bradando que nossas tradições são mais fortes do que o vírus, sei que o Neto Fagundes, em protesto, deve estar gritando:
“Eu sei que não vou morreeeeeer!”
Mas não adianta. O vírus é mais poderoso. O vírus venceu.
Uma vez, criticaram a Globo por ter colocado uma cuia na mão de cada gaúcho na roda de chimarrão de um seriado, acho que foi “O Tempo e o Vento”. Pois bem. A Globo foi visionária. Nunca mais nos arriscaremos a compartilhar salivas em uma amigável roda de chimarrão. O gaúcho se tornará mais solitário, mais individualista, menos gaúcho, porque a roda de chimarrão é um símbolo de congraçamento, de parceria e de irmandade. A roda de chimarrão diz que todos somos iguais. E agora ela não será mais possível. O corona, esse bicho malévolo, atingiu o coração do Rio Grande do Sul.