José Paulo Bisol foi uma das pessoas mais cultas e mais articuladas que conheci. Ao mesmo tempo, ele era um homem puro, um idealista, quase um ingênuo. Dava-me a impressão de ser um sacerdote. Uma vez, na Assembleia Legislativa, o repórter Gustavo Mota estava no centro de uma roda, contando uma história picante envolvendo mulheres e traição, ou coisa que o valha, e o Bisol, suspirando, comentou:
— Queria ter estudado menos e vivido mais, como vocês...
Bobagem. Graças ao tanto que estudou, Bisol viveu uma vida grandiosa.
Tempos atrás, fiquei chateado com ele. Numa entrevista, Bisol disse que eu “tinha sido de esquerda”, mas critiquei os governos do PT para agradar à direção de Zero Hora. É o tipo de análise baixa e, ao mesmo tempo, arrogante, por inferir que quem não concorda com as suas opiniões é desonesto. Hoje, há uma variante desse gênero de canalhice: os petistas dizem que quem os critica é ou foi bolsonarista e os bolsonaristas dizem que quem os critica é ou foi petista. Ou seja: se não formos nós, será a desgraça. Típico de quem se acha o sal da terra.
Bisol não se achava o sal da terra. Ao contrário, ele dizia que não se considerava inteligente, se considerava um homem comum que parecia inteligente por falar bem. Modéstia — Bisol era muito inteligente.
O que mais me encantava em Bisol era a sua capacidade de análise macro da sociedade. Ele podia se enganar no exame particular de uma questão, mas, quando olhava para o todo, era muito preciso. Lembro de uma longa entrevista ele deu para a TV Senado, 12 anos atrás. Ele tinha 80 anos de idade, estava bem fisicamente e o Brasil ainda não havia ingressado na guerra fria requentada que experimenta hoje. Procurei a entrevista na internet para reproduzir aqui o trecho que, há alguns anos, chamou a minha atenção. Encontrei-o. Leia o que Bisol disse, naquele tempo:
“A Humanidade se desenvolve de forma extraordinária, maravilhosa, rica, exuberante, milagrosa, quando se fala em ciência. Mas, em ética e em moral, a Humanidade é um desastre progressivo. Porque a realidade concreta, essa que nós construímos todos os dias, a realidade política desmente qualquer princípio ético. A rigor, que me perdoem os políticos brasileiros, a rigor a política brasileira é uma política de ódio. Ódio é um desejo de destruição. A gente esquece de revisar esses conceitos e fica empregando a palavra ódio sem saber o que está dizendo. Ódio é o desejo de destruir o odiado. E o comportamento político partidário no Brasil é de ódio, é de extinção do outro – seja partidos de esquerda, seja de direita”.
Bisol fez essa reflexão em 2009. Muito aconteceu no Brasil, de lá para cá. Tudo confirmou o que ele pensava. Tudo tem confirmado ainda, todos os dias. Para a nossa tristeza.