Sem entrar em méritos, sem ser contra ou a favor, é fascinante analisar os principais personagens do drama brasileiro do século 21.
Dependendo do tamanho do homem, ele pode influenciar a história de um país inteiro, e é o que está acontecendo.
A propósito: agora mesmo estou lendo um livro que me foi indicado pelo Daniel Scola, O Esplêndido e o Vil, de Erik Larson. Escrevi, tempos atrás, sobre outro livro desse jornalista americano, o excelente O Diabo na Cidade Branca. É uma ótima obra de não ficção. Mas essa que o Scola indicou, O Esplêndido e o Vil, é ainda melhor. Larson narra em pormenores o começo do mandato de Churchill como primeiro-ministro da Inglaterra, na Segunda Guerra Mundial. Foi um ano de sangue, suor e lágrimas, em que os exércitos nazistas pareciam invencíveis e a Ilha resistiu sozinha diante da Europa submetida por Hitler. Larson traça um perfil impecável de Churchill e demonstra como a personalidade de um único indivíduo foi capaz de salvar o Ocidente.
Churchill era um homem cheio de defeitos. Quando assumiu, a maioria dos líderes da época duvidou da sua capacidade. Mas ele também possuía os predicados certos para o momento certo. Quer dizer: a pessoa não precisa ser perfeita, até porque ninguém é, mas, se contar com determinadas qualidades, pode fazer diferença em seu meio. Pode influenciar a história de uma nação.
Tome os três grandes personagens do Brasil de hoje, Moro, Lula e Bolsonaro. Há muito de interessante a dizer a respeito deles. E, repito, não estou julgando méritos, estou observando os homens.
Lula e Bolsonaro despertam paixões que, para mim, são inexplicáveis. As pessoas os amam com amor de mãe, amor incondicional. É um sentimento típico de um povo frágil, afeito a paternalismos, bem sei, mas, ainda assim, o fervor dos adeptos ao lulismo e ao bolsonarismo me espanta. É muito amor. Então, qualquer exame que se faça deles fica contaminado por essa paixão, e a razão sempre perde para a paixão.
Com Sergio Moro, o caso é outro, e por isso quero falar dele hoje. A trajetória de Sergio Moro é uma espetacular sucessão de surpresas. Primeiro, por sua improvável ascensão ao estrelato. Afinal, Moro era um juiz de primeira instância. Juízes são importantes, não há dúvida, mas a função que exercem não rende popularidade, salvo os do STF, que foram jogados no palco pelas transmissões de TV.
Quem iluminou a figura de Sergio Moro e o tornou protagonista foi, ironicamente, o PT. Quando os petistas perceberam que seus governos poderiam ser esfacelados pela Lava-Jato, desencadearam ações para individualizar o processo. Não era o sistema que atuava, era uma pessoa, com interesses particulares que todas as pessoas têm.
Trata-se de um movimento inteligente, porque, se é a “Justiça” que condena, estamos falando da Lei com ele maiúsculo, da sociedade constituída, impessoal e imparcial. Mas, se quem condena é um homem só, você pode alegar que esse homem teve suas motivações escusas.
Assim, pouco importava o envolvimento de centenas de outros servidores, os procuradores, os policiais, os juízes, os desembargadores, na Lava-Jato. Sergio Moro tinha de ser elevado a gênio do Mal, a mentor de um plano pérfido com objetivos políticos.
Pensar que a figura quase anódina de Moro, agindo de uma vara de primeira instância em Curitiba, seria capaz de tamanha façanha é algo risível, mas foi o que os governistas conseguiram fazer, e dias atrás essa tese foi endossada inclusive pelo STF.
Ungido como “o” homem da Lava-Jato, Moro tornou-se o super-herói do Brasil. Ele era aplaudido por onde passava, Roberto Carlos o homenageou em show, seu nome se transformou em referência internacional de luta contra a corrupção. Havia um boneco dele no Carnaval de Olinda! É possível um ser humano não se deixar abalar por tanta exposição?
Moro decerto que cometeu deslizes éticos em alguns momentos da Lava-Jato, mas a Lava-Jato poderia fazer o que fez atendendo a todas as filigranas jurídicas brasileiras? O sistema, afinal, não está todo construído para favorecer os poderosos? O mecanismo não reage sempre, e vence sempre?
As pessoas entendem isso e entenderiam os deslizes de Moro exatamente como nada mais do que deslizes, só que ele cometeu o erro supremo de avaliar mal sua própria dimensão e aceitar o convite para ingressar no governo Bolsonaro.
Grande, imenso, fulcral, caudaloso, oceânico, imperdoável erro.
Vaidade das vaidades, tudo é vaidade debaixo do sol, dizia o Eclesiastes.
Moro agiu por vaidade. Ele não sabia quem é Bolsonaro? Não sabia o que representa Bolsonaro? Moro não supunha que os políticos que tanto vergastou se voltariam contra ele? Não percebeu que, ao ir para Brasília, perfilou-se na linha de tiro de seus inimigos?
A classe política está devorando Moro por uma perna, como um tubarão que vem mordendo das profundezas do oceano. Sua única saída seria ele também se transformar em político, mas não qualquer político, e sim um aos moldes de um Lula, de um Bolsonaro. Não é uma tarefa comum, capaz de ser cumprida por um homem comum. Moro, se quiser fazer diferença na história, terá de ser muito diferente do que sempre foi.