O discurso que Lula fez nesta quarta-feira, em São Paulo, excitou a intelectualidade brasileira. “Oh, como ele fala bem!”, maravilharam-se uns quantos, redes sociais afora.
Lula fala bem, de fato. Tem treino de mais de 40 anos, desde que comandava as greves dos metalúrgicos do ABC paulista. Mas fala o óbvio. Se você transcrever o que Lula diz em seus discursos, só restará o lugar-comum, as imagens corroídas pelo uso popular, a repetição de ideias previamente encaixotadas por outros que pensaram antes dele.
Os predicados de Lula que fazem a intelectualidade cair de quatro são outros, além do sentido das palavras. Em primeiro lugar, são suas origens. Ter origem pobre é grande trunfo, no Brasil. O brasileiro adora uma história de superação. E o intelectual, especialmente, é fascinado pela figura do operário que se transformou em líder. Este, para o intelectual, é alguém iluminado, dotado de uma sabedoria exclusiva, a sabedoria “do povo”.
A segunda e a terceira qualidades de Lula se aliam poderosamente na tarefa de comover quem o escuta. São a eloquência e o carisma. Já vi oradores levarem as massas ao êxtase valendo-se apenas de gestos e tom de voz, imagem e som, pouco importando o conteúdo do que diziam.
Tecendo uma comparação clássica: Hitler e Churchill.
Hitler era o histrião, o ator, o homem que falava com os punhos cerrados e a boca espumando. Churchill era o cerebral, consumia horas escrevendo e reescrevendo os seus discursos, cuidava de cada verbo como se fosse um filho, mas sua oratória acabava sendo monótona, quase sonolenta. Já o texto saía impecável e mais comovia quanto mais fosse lido e relido. Os discursos de Churchill entraram para a história, ficaram para o futuro. Hitler empolgou só quem o ouvia no presente.
Mas empolgou, isso que importa. Porque a forma também é importante, e Lula sabe mesmerizar a plateia pela forma. O que se estende, inclusive, à sua aparência física. Lula ficou mais bonito, depois de velho. Tornou-se um senhor respeitável e simpático, aquilo que antigamente se chamaria de “bem apessoado”. Em seu discurso desta semana, ele caprichou: surgiu com um terno bem cortado, a barba branca aparada com esmero, o cabelo já ralo, mas domesticado.
Não se iluda, porém: sua grande vantagem, hoje, é factual. É a comparação com Bolsonaro. Li e ouvi dezenas de pessoas fazendo a seguinte ponderação: “Você pode não gostar de Lula, mas...” E aí vinha a referência a Bolsonaro, que, por ter dificuldades na forma E no conteúdo, consagra qualquer adversário.
Lula, em seu discurso, pronunciou trivialidades de estudante de ensino médio. Tipo: “Tome vacina, use máscara, minha solidariedade aos mortos de covid”. E as pessoas: “Oooh, que estadista!” Porque o seu rival, Bolsonaro, faz exatamente o contrário: desdenhou da vacina, desprezou a máscara, desrespeitou os mortos. Ficou fácil ser inteligente, perto dele.
Já eu não caio nessa. Não vou entrar nesse maniqueísmo. O duelo Lula versus Bolsonaro não foi travado em segundo turno algum e talvez nunca venha a acontecer. Faltam quase dois anos para a eleição, tudo pode mudar. Essa conversa serve para eles. Os bolsonaristas querem Lula como rival, assim como os petistas querem Bolsonaro. Eu, não. Não tenho de querer um dos dois, não sou obrigado a escolher entre os dois. Posso olhar para um e outro e proclamar solenemente o que desejo dizer a eles. Que é uma palavra só. Curta, seca e dura: “Não!”
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A ideia, às 19h30min desta sexta-feira, é que prestemos uma homenagem aos profissionais de saúde que estão atuando há um ano no combate à covid-19 aplaudindo da janela. Gosto disso. Devo muito do meu bem-estar e da minha própria vida aos profissionais de saúde. E, para tornar esse ato mais pessoal, vou destacar três deles. São três oncologistas gaúchos que servem de referência profissional a todo o Brasil. Estão, portanto, atuando indiretamente na crise da covid, mas diretamente na crise sanitária. São os médicos André Fay, Fabio Franke e Carlos Barrios. No meu livro Hoje eu venci o Câncer eu os comparo a Pelé, Rivellino e Garrincha. Só não digo quem é quem.