Após movimentos jurídicos que sacudiram o tabuleiro político nacional, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com os direitos eleitorais recuperados e as duas condenações judiciais contra si anuladas, fez um pronunciamento de duas horas e meia nesta quarta-feira (10), na sede do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo (SP).
Em um preâmbulo de 45 minutos, Lula mesclou agradecimentos a aliados políticos e duras críticas à Operação Lava-Jato, afirmando que foi perseguido e injustiçado, tendo ficado 580 dias preso pelo caso do triplex do Guarujá.
Alegando ter sido condenado sem provas, o ex-presidente chamou os integrantes da força-tarefa de Curitiba de “quadrilheiros”, direcionando suas críticas sobretudo ao ex-juiz Sergio Moro, que o condenou na 13ª Vara Federal de Curitiba, e ao procurador Deltan Dallagnol, ex-coordenador da força-tarefa da Lava-Jato no Ministério Público Federal.
— Sei que fui vítima da maior mentira jurídica contada em 500 anos de história. (...) A verdade prevaleceu. (...) Moro não tem o direito de se transformar no maior mentiroso da história do Brasil e ser considerado herói por aqueles que queriam me pegar. Deus de barro não dura muito tempo. Hoje, ele (Moro) deve estar sofrendo muito mais do que eu sofri. Dallagnol deve estar sofrendo muito mais do que eu sofri. Eles sabem que cometeram erros — discursou Lula, declarando-se inocente diante das acusações feitas nos últimos anos.
Na segunda etapa do discurso, o ex-presidente deixou o lado pessoal e partiu ao político. No sindicato onde ele iniciou a trajetória, fez ataques ao governo de Jair Bolsonaro. Focou as manifestações na alta mortalidade causada pela pandemia de coronavírus no país, defendeu a vacinação em massa e as medidas de prevenção, como isolamento e uso de máscara.
Lula ainda foi incisivo ao falar de economia: citou a alta dos preços dos alimentos, dos combustíveis, do botijão de gás e o crescente desemprego. Sem declarar-se candidato, mas já com um pé no palanque na eleição de 2022, lembrou que o Brasil chegou a ser a sexta economia do mundo durante o seu governo — atualmente é a 12ª. Criticou a política armamentista de Bolsonaro e os discursos de privatização.
— A economia está mal e a covid está tomando conta deste país. Este país poderia estar pesquisando e fazendo vacina. (...) Este país não tem governo, não tem ministro da Saúde e da Economia. Este país tem um fanfarrão — afirmou.
Lula disse que pretende "voltar a andar por este país para conversar com a população”, afirmando que Bolsonaro causa “males ao país” e não pode continuar a governar.
— Alguma atitude vamos ter que tomar para que este país volte a crescer. (...) Desistir não existe no meu dicionário — disse, acenando que deseja conversar com empresários e diferentes correntes políticas.
Já no espaço das perguntas dos jornalistas, Lula desconversou e disse que não é momento de definir nomes de candidatos. Ainda assim, deu sinais claros sobre o que pensa a respeito de composições políticas para o futuro. Em um dos momentos reveladores, avaliou que uma "frente ampla" somente se consolidará caso seja costurada junto a partidos de outros campos políticos, e não somente com tradicionais aliados do PT e siglas de esquerda, como PCdoB e PSOL. Questionado sobre Ciro Gomes (PDT), possível candidato à Presidência, Lula demonstrou irritação com as ferinas críticas do pedetista.
— Ele (Ciro) primeiro tem de se reeducar. Se continuar com essas grosserias todas, vai perder o apoio da esquerda, não vai ter a confiança da direita, e vai fazer menos votos — rebateu o petista.
Lula ainda comentou as reações de setores receosos com a possibilidade de o PT voltar ao Palácio do Planalto, caso vença a corrida eleitoral em 2022, sobretudo o mercado financeiro, as Forças Armadas e o agronegócio.
— Vamos pegar os dados econômicos do PT e dos outros (governos) — sugeriu, afirmando que os anos petistas foram os de maior investimento público e de prosperidade para essas frações da sociedade organizada.
Em um dos temas mais recorrentes, o ex-presidente disse que pretende ser uma espécie de propagandista da vacina.
— Semana que vem, se Deus quiser, vou tomar a minha vacina. Não me importa de que país, se é uma ou duas (doses), vou tomar vacina e quero fazer propaganda para o povo brasileiro. Não siga nenhuma decisão imbecil do presidente da República ou do ministro da Saúde. Tome vacina, é uma das coisas que pode liberar você do covid — afirmou.
Na segunda-feira (8), por decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), todos os atos decisórios da 13ª Vara Federal de Curitiba contra Lula foram anulados. A argumentação, de que a jurisdição competente para os casos é a do Distrito Federal, deixou sem efeitos as condenações sentenciadas pelo ex-juiz Sergio Moro, confirmadas por instâncias superiores, contra o ex-presidente nos casos do triplex do Guarujá e do sítio de Atibaia.
Os processos terão de recomeçar e, sem as condenações, Lula está livre para concorrer à Presidência em 2022. Há risco real, inclusive, de as acusações contra ele feitas pela Operação Lava-Jato prescreverem.
— Eu tinha certeza de que esse dia chegaria. Todo o sofrimento que eu passei, acabou. Estou muito tranquilo, o processo vai continuar. Já fui absolvido em todos os processos fora de Curitiba — declarou.
Lula chegou a fazer comentários incorretos de que Fachin o absolveu. Na verdade, o ministro do STF não analisou o mérito dos casos. Ele apenas decidiu que a competência não era de Curitiba e que o julgamento deve ocorrer no Distrito Federal.
Já na terça-feira (9), o ministro Gilmar Mendes colocou em julgamento, na 2ª Turma do STF, o pedido de suspeição de Moro, protocolado pela defesa de Lula. O ministro Nunes Marques pediu vistas e a sessão terminou com o placar em 2 a 2. Se ocorrer um terceiro voto pela suspeição, baseado em avaliações de que Moro foi parcial ao julgar Lula, todas as provas contra o político estarão igualmente anuladas.