Só existe uma questão que realmente interessa, neste novo abalo político-jurídico que faz o Brasil estremecer e rugir.
Só uma.
A seguinte:
A Lava-Jato condenou algum inocente?
Crime, sabemos que houve. Bilhões de dólares foram regurgitados das bocas dos bueiros de Brasília, fortunas escusas surgiram em paraísos fiscais no além-mar, um pedaço do roubo foi devolvido aos cofres públicos, corruptos e corruptores, uns mais contritos, outros menos, fizeram confissões.
Então, está claro que o Brasil vinha sendo saqueado. Já acontecia antes? Decerto que sim, e há tempo. A diferença foi que, pela primeira vez, os culpados estavam sendo punidos. Quem diria que empresários poderosos e políticos influentes seriam presos por corrupção no Brasil?
Quem diria?
Eu, no fervor da Lava-Jato, fui um iludido. Admito, envergonhado: um iludido.
Lembro de um episódio que demonstrou minha cândida inocência. Vivia nos Estados Unidos e uma ou duas vezes por semana ia almoçar na Bottega Fiorentina, cantina toscana do meu amigo Andrea Ferrini, um italiano de Florença, admirador do Batistuta, de quem tinha uma foto em cima do balcão do restaurante.
Lá, na cantina do Andrea, almoçava também um americano que se chamava, por coincidência, David. Ele almoçava na Bottega todos os dias, sentava-se sempre no mesmo canto e, em geral, fazia as refeições sozinho. Certa vez, o Andrea cumprimentou, à porta da cozinha: “Hi, David!”. Nós dois respondemos. Começamos a rir. “Two Davids?”. A partir daí iniciou-se uma amizade. Eu dizia que eu era o David “primo”, primeiro em italiano, ele dizia que era o “number one”. Ou o contrário, cada dia um dizia algo.
Bem. Num desses almoços, depois do fettuccine à carbonara e do tiramisu, ficamos conversando por bastante tempo, cada um bebericando o seu expresso, e meu xará comentou sobre o horror da corrupção no Brasil. Então, estufei o peito de ufanismo e ponderei:
- É verdade, muita corrupção está sendo revelada, no Brasil. Mas, que eu saiba, existe também corrupção aqui, nos Estados Unidos, e na Europa, e no Japão, e em toda parte. Só que no Brasil está sendo revelada e, o principal, está sendo punida.
David balançou a cabeça em concordância:
- Você está certo. Todos sabemos que existe corrupção, mas descobri-la e puni-la é um grande avanço! Os brasileiros estão de parabéns!
Fiquei todo contente.
Hoje, se reencontrar meu tocaio, o que lhe direi? Que a corrupção foi punida e, depois, “despunida”? Como explicarei a ele esse Brasil que sabe o que aconteceu, que sabe que foi violentado pelos mais diversos crimes, e que agora parece mais disposto a punir juízes e promotores, e livrar os culpados?
Meu amigo americano não vai entender. Acho que terei de apelar para a ajuda do Andrea. Essa é uma tarefa que só um italiano, experimentado nas nossas contradições latinas, é capaz de cumprir.