Estava escrevendo em meu computador quando, PAM!, ouvi um ruído forte de pancada. Um passarinho colidira contra a porta envidraçada da biblioteca. Vi que caíra no chão. Fui até ali. Cheguei bem perto, a uma distância que passarinhos, em geral, não toleram. Agachei-me. O passarinho estava com os olhos fechados, deitado de lado, uma asa esticada ao lado do corpo. Mas ainda vivia, percebi por sua respiração pesada.
Era um passarinho bonitinho, do tamanho de um punho. A barriga era amarela; o resto das penas, verde: um passarinho definitivamente brasileiro. De que raça seria? Queria conhecer mais sobre os passarinhos e as árvores, sempre digo isso.
Sua respiração ficou mais fraca, e temi que morresse. Essa ideia começou a me deixar angustiado. Será que devia fazer algo? Quem sabe lhe borrifar umas gotinhas d’água no bico, para que se reanimasse? Ou deixá-lo descansar seria a melhor providência? A dúvida aumentou minha aflição. Por algum motivo, concluí que o destino daquele passarinho tinha uma relevância que ultrapassava sua mera existência. Não se tratava apenas de um passarinho acidentado, era algo simbólico. Algo importante. Ele tem que sobreviver, disse para mim mesmo. Ele tem que sobreviver.
Em seguida, pensei que não fazia sentido dar essa transcendência ao que aconteceria com o passarinho. Milhares de passarinhos devem bater contra vidros durante o dia, no Brasil e no mundo, e, ainda que não resistam, nossa vida continua igual sem eles. Nada muda. Por que aquilo parecia tão decisivo para mim?
Deve ser a pandemia. Está todo mundo nervoso. Mais: está todo “o” mundo nervoso. Com exceção de Israel, em que grande parte da população já se vacinou contra o coronavírus, a Humanidade inteira se vê sitiada por um inimigo que parece indestrutível, e sente alguns dos mais altos níveis do maior horror do ser pensante, do medo ancestral, o medo que nos move: o medo da morte.
É exatamente esse medo que deixa as pessoas tensas. No caso do Brasil, a tensão é ainda maior, porque não existe consenso sobre a forma de combater o Mal. Cada liderança aponta para um lado diferente, cada cidadão tem a sua opinião e contesta a do outro e discute e briga e quer identificar (e punir) os culpados por seu sofrimento.
É muito ruim esse clima. Faz mal. Eu, olha, eu quero dizer uma coisa para você: eu não aguento mais esses debates, esses argumentos e contra-argumentos, essa falação. Quero paz. Quero um dia mais leve. O vírus está por aí, nos cercando, bem sei. Mas faço o possível para me proteger e aos meus, e pronto. Às vezes é necessário pagar algum preço? Pago, e torço para que seja breve o padecimento, para que a vacina chegue logo, para que o índice de contágio baixe, aquilo tudo. De resto, quero paz.
O Brasil se tornou um lugar chato, cheio de gente que acusa, que aponta, que julga, que tem certezas. Muito chato. E, agora, esse passarinho ferido aqui na minha frente. Deu-me uma tristeza infinita vê-lo ali, imóvel, e senti um peso no peito e, então, ele se mexeu. Abriu os olhos, moveu um pouco a asa. Ponderei: vou me afastar um pouco, para não assustá-lo. Foi o que fiz. Voltei ao computador, mas fiquei com o canto do olho nele. E vi quando se ergueu. “Oh, Deus!”, exclamei. “Vai viver!”
Mas ele estava absolutamente duro, paralisado, eu não distinguia se ainda respirava ou não. Não consegui voltar a escrever, fiquei observando-o. Ele não se mexia. Nenhuma pena se movia, os olhos não viravam, nada. Estaria vivo? Passarinhos morrem assim, de pé, como cavalos? Bem, cavalos dormem de pé, mas morrer, duvido que morram. Não era possível. Mais uma vez, invadiu-me o sentimento de que o passarinho TINHA de sobreviver. Que era de significado fundamental para mim, para a minha família, para os meus amigos, para os meus irmãos brasileiros que ele se recuperasse. Só que os minutos iam passando, e ele ali, uma estatuetinha de passarinho.
Fui me aproximando, para descobrir seu estado. Cada vez mais próximo, cada vez mais próximo. E, no momento em que cheguei a metro e meio de distância, ele se empinou e alçou voo. Zuniu em tamanha velocidade, céu azul afora, que nem vi para onde foi. Dei um grito, como se tivesse marcado um gol. Tudo vai dar certo, disse alto para mim mesmo e para você e para o mundo. Tudo vai dar certo!