Ontem conversei com o Fernando Carvalho, que você deve conhecer como o maior presidente da história do Inter, mas que era meu amigo antes disso. Falávamos, obviamente, sobre o clube, virtual campeão brasileiro de 2020. E concordamos em um ponto central: entre as razões do bom sucesso do time, a principal é a estrutura do meio-campo. O tripé de volantes.
Essa formatação, com Rodrigo Dourado, Edenilson e Patrick, vem de longe, como diria Brizola. Vem dos tempos do velho Odair Hellmann. Era essa a base: três homens fortes, de marcação e movimentação, que combatem o jogo inteiro, preenchendo o núcleo da equipe. Dourado é melhor marcador do que os centromédios que o antecederam. Não tem a mesma capacidade física de antes da sua grave lesão, mas compensa com um posicionamento quase impecável e uma ótima bola aérea. Edenilson é um abnegado, um Tinga. E Patrick, além de ajudar nas monótonas tarefas de contenção, virou um ponta-esquerda irritante, daqueles que tenta tanto que acaba conseguindo.
Para completar, Abel encontrou um quarto volante. Porque é assim que joga Praxedes, não se iluda: é um volante, também. No Sala de Redação de segunda-feira, comparamos Praxedes com Jean Pyerre, que aparentemente, são da mesma função. Eu, das sombras da minha modéstia, disse a frase definitiva a respeito do tema, pode usar, se quiser:
- O Jean Pyerre tem muito mais futebol do que o Praxedes, mas o Praxedes sabe jogar muito mais futebol do que Jean Pyerre.
É que futebol não é só uma atividade física.
Todos os times vencedores do Inter, da época do Rolinho para cá, tiveram três volantes. Todos.
Nos anos 70, era essa a discussão. Quem deveria jogar com Falcão e Carpegianne: Escurinho ou Caçapava? Lembro de um dia ter visto um comentário do Hugo Amorim na TV. As novas gerações não saberão quem foi Hugo Amorim. Era um comentarista identificado com o Inter, que devia estabelecer contraponto ao Paulo Sant’Ana. Pois nesse comentário, feito depois de algum revés do Inter, o Hugo Amorim estava emocionado, teceu um discurso contra a escalação de Caçapava e encerrou com uma frase, dita em voz embargada, que jamais esqueci:
- Ou o Internacional acaba com o tripé, ou o tripé acaba com o Internacional.
Eu era um guri, mas já gostava de ler e sabia que ele estava fazendo um arremedo da famosa frase do biólogo francês Saint Hilaire: “Ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil”.
Espantou-me o tom comovido do Hugo Amorim, aquilo ficou na minha cabeça, tanto que recordo agora.
Não tenho muitas lembranças do Hugo Amorim. O que mais me chamava a atenção, acerca do seu trabalho, é que ele gostava de abreviar as palavras. Em vez de Porto Alegre, escrevia “P. Alegre”. Tanto que os colegas o chamavam de Agá Amorim. Depois, trabalhando na Zero Hora, testemunhei uma violenta discussão entre ele e o Paulo Sant’Ana. Por causa de futebol, evidentemente. Tinha havido um Gre-Nal no dia anterior e os dois se desentenderam a propósito de sei lá que lance do jogo. Ofenderam-se aos berros, no meio da redação. Todo mundo parou de trabalhar e ficou olhando. Alguns editores conseguiram apartá-los e os dois saíram, cada um para um lado, jurando vingança, prometendo que viriam armados no dia seguinte. Durante uma semana, pelo menos, houve certo temor de tiroteio no jornal, mas os ânimos foram arrefecendo com o tempo, o tempo promove essas curas.
Não sei se o H. Amorim estava certo nesse contencioso, mas sei que estava errado no seu veto ao tripé, como Saint Hilaire no seu medo da saúva. A saúva e o Brasil estão aí, juntos. E aquele velho tripé levou o Inter ao seu primeiro Campeonato Brasileiro, enquanto novo o levará para o seu último.