A verdade é que Maria Antonieta acreditava em mim. Ao pensar nela, mas não apenas por causa dela, sou contra a volta às aulas neste ano. Maria Antonieta talvez concordasse comigo. Maria Antonieta foi minha professora de português no Colégio Piratini.
Dia desses, tive de ir perto do colégio, ali na Eudoro Berlink. Olhei para o prédio vazio e não resisti. Atravessei a rua e fui espiar por uma janelinha que tem no portão de ferro. Fiquei algum tempo admirando o pátio da escola. Lembrei dos velhos colegas, o João Raul Borges Neto, que hoje é produtor rural em Itaqui, o chileno Ivan, mais tarde falarei do chileno Ivan, o italiano Giorgio Rabolini, que era o craque do time de futsal, a guria mais bonita do colégio, que era a Silvia Capaverde, e também a Janice, por quem desenvolvi uma devoradora paixão platônica.
Era platônica mesmo. É provável que nós nunca tenhamos conversado mais do que cinco minutos. Três minutos. Pensando bem, dois. Ela era magra e alta e tinha um cabelo crespo e um rosto lindo, parecia a Jacqueline Bisset. Ela era séria. Nunca ria. Vez em quando, sorria, e quando fazia isso os querubins sopravam as trombetas do Paraíso.
Eu sentia medo de falar com ela. Um dia, eu estava conversando com o João Raul nas escadarias do pátio e ela veio de lá. Vi, com a esquina do olho, que ela se aproximava. Ela veio e veio que veio olhando fixamente PARA MIM! Ela ia se dirigir a mim? Por quê? Não havia assunto entre nós. Mas ela veio, direta e reta. Enquanto ela caminhava, meu coração saltou nos gorgomilos e meu rosto entrou em combustão. Se ela viesse falar comigo, o que eu diria? Tinha de ser algo inteligente e maduro. Algo engraçado, as mulheres adoram homens engraçados. O que eu podia dizer que fosse inteligente, maduro e engraçado? Jamais havia dito algo assim na minha vida.
Então ela chegou. Parou um degrau acima de mim e seu rosto de anjo diabólico ficou a dois centímetros do meu. Só que ela não falou comigo: falou com o João Raul. Ela falava e eu ali, tão perto, sentindo o calor do seu rosto e o sabor do seu hálito. Ela falava e eu engolia as sílabas como se cada uma fosse um bombom Ouro Branco. Naquele momento, pensei que era uma oportunidade para dizer algo inteligente, maduro e engraçado, mas não consegui dizer nada. Se ela se dirigisse a mim, acho que desmaiaria, que nem desmaiaram os plebeus ao encontrarem com Luís XVI pela primeira vez, antes da Revolução Francesa. Ela se foi e eu fiquei lá, falecendo. Garanto que ela fez de propósito.
Esse episódio me voltou inteiro à memória, quando derramei o olhar pela janelinha do portão do Piratini, dias atrás. Voltaram-me, também, as aulas da professora Maria Antonieta, aulas que me dão convicção de que as escolas precisam continuar fechadas neste ano. Mas terei de explicar as razões na próxima crônica.
Por enquanto, vamos fazer assim: vamos ficar olhando pelo portão da nossa velha escola, vamos cevar nossas recordações, vamos suspirar um pouco, eu e você, que o dia talvez até se torne mais belo e ameno, nesses tempos tão rascantes do futuro em que vivemos.