Hieronymus Bosch foi o pintor do Mal. Ele viveu no fim da Idade Média, num tempo em que a Europa ainda sentia os bafios da peste e tentava emergir da escuridão. Talvez por isso, Bosch gostava de retratar demônios horrendos, que torturavam as almas pecadoras. Um de seus quadros, que está exposto no Louvre, representa um tema típico daquela época: a nau dos insensatos. É uma alegoria medieval muito abordada por artistas e filósofos: um navio que vaga sem rumo, tripulado e conduzido por gente desequilibrada.
Tipo o Brasil de hoje. A insensatez de nossas autoridades nos oprime e confunde, e está em todas as instâncias: no país, no Estado e na cidade.
Porto Alegre forneceu, nesta semana, um exemplo sólido do que está acontecendo no Brasil. Havia, na cidade, o entendimento de que seria importante o comércio reabrir para o Dia dos Pais. A ideia era aliviar a terrível pressão que sofrem empresários e trabalhadores, que estão parados há quase cinco meses.
A sensatez indicava que as lojas começassem a funcionar na segunda-feira, dando tempo para que os consumidores fizessem suas compras. Isso, óbvio, evitaria que muitas pessoas ficassem juntas ao mesmo tempo, no mesmo lugar. Ou seja: evitaria o maior fator de contaminação pelo coronavírus: as aglomerações.
Mas não foi o que nossas autoridades fizeram. Elas só deixaram que o comércio abrisse na sexta.
Paciência. Então, que pelo menos nos três dias seguintes se pudesse trabalhar até tarde, como compensação. Seria mais sensato sob todos os aspectos, tanto econômicos quanto sanitários.
Outra vez, não foi o que fizeram. Governo do Estado, prefeitura e justiça se desentenderam, e as lojas tiveram de fechar às 16 horas de sábado.
Mantendo-se ainda em Porto Alegre, a notícia da semana foi que a Câmara dos Vereadores abriu processo de impeachment contra o prefeito Marchezan. Com a população passando pelo período de maiores agruras da história da cidade, e faltando dois meses e meio para a eleição, trata-se de um movimento eleitoreiro, egoísta e pusilânime, que acrescenta nova crise a uma crise já gravíssima. Faltou não só sensatez, mas principalmente grandeza aos vereadores da Capital.
Enquanto isso, o número de mortos pela Covid19, no Brasil, passou de 100 mil. Há quem atribua o atingimento dessa marca robusta a Bolsonaro. Chamam-no de “genocida”. Mas isso também não deixa de ser insensatez. Governadores e prefeitos tomaram a peito as medidas contra a pandemia, Bolsonaro não tem responsabilidade sobre o que é feito nas cidades. E a União vem ajudando às empresas com financiamentos e aos trabalhadores com o auxílio emergencial.
Isto é: algo foi feito. Mas não tudo que se poderia. A ação do governo não é suficiente para diminuir o quinhão de culpa que Bolsonaro tem pela tragédia. Seus apoiadores repetem, nas redes sociais, que Bolsonaro “foi proibido pelo STF” de interferir nos Estados, em assuntos da pandemia. Não é verdade. O STF apenas deu prerrogativa aos governadores de agir sem que suas decisões possam ser revogadas pelo governo federal. Bolsonaro, portanto, poderia e deveria ajudar mais. Era sua obrigação. Ele falha como líder e se comporta de forma adolescente, circulando sem máscara, provocando aglomerações e sendo um patético garoto-propaganda da Cloroquina. Faz exatamente como os vereadores de Porto Alegre: só pensa na reeleição.
Em resumo, cada liderança aponta para uma rota diferente, ninguém se entende, ninguém sabe o que fazer. Estamos em um navio desgovernado. Estamos na nau dos insensatos. Estamos à deriva.