Ao cruzar o limite de 100 mil mortos por covid-19, conforme dados do Ministério da Saúde divulgados neste sábado (8), o Brasil se tornou o segundo país no mundo a superar essa cifra, ao lado dos Estados Unidos. A marca melancólica foi atingida principalmente à custa da vida de homens, idosos e negros — vítimas mais frequentes da pandemia conforme os registros detalhados das notificações.
O tamanho da população brasileira, superior a 210 milhões de pessoas, ajuda a explicar a vice-liderança planetária em número absoluto de óbitos, mas não é suficiente pra esconder o fracasso nacional em reduzir o impacto do coronavírus de Norte a Sul.
Quando se analisa a taxa de mortes por habitantes, o país também ocupa uma posição negativa de destaque: nos últimos dias, superou a França e passou a ocupar o nono lugar no ranking internacional de óbitos por habitante, com cerca de 47 vítimas por 100 mil pessoas.
— Essa era uma situação potencialmente evitável. Não é fácil, mas discordo da visão determinística de que não havia o que fazer como nação diante dessa pandemia. Muitos países conseguiram minimizar os dados do coronavírus. Não é o que ocorreu no Brasil — lamenta o professor de Infectologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Alexandre Zavascki.
O impacto da incapacidade de prefeitos, governadores e presidente para frear o avanço do novo vírus não foi sentido de maneira uniforme por toda a sociedade. Os microdados mais recentes do sistema nacional de monitoramento de doenças respiratórias (Sivep-Gripe), atualizados até 3 de agosto, demonstram que pessoas do sexo masculino, idosos e pretos ou pardos foram os mais castigados pela pandemia no país.
O sexo masculino, a exemplo do que também foi verificado em outros países, representa quase 60% dos mortos, enquanto os idosos somam mais de 70%. Fatores biológicos ainda em estudo ajudam a explicar esses percentuais, mas os registros do Sivep-Gripe também sugerem que características sociais alteram o risco a que os brasileiros estão submetidos diante da pandemia.
Pretos e pardos representam cerca de 56% da população brasileira, mas somam 58% dos mortos que tiveram a etnia especificada na ficha de atendimento. O efeito da desigualdade social é visível ainda por outro critério. Pretos e pardos somam 36,7% de todos os infectados quando se incluem na conta os sobreviventes e aqueles que não tiveram raça determinada nos registros, mas 40% das notificações de óbito por esse viés ampliado.
Isso significa que essa parcela da população, associada a uma renda média mais baixa e mais dificuldade de acesso aos serviços de saúde do que os brancos, morre em proporção maior do que o seu nível de infecção. Com os brancos, é o contrário: representam 29,7% de todos os contaminados (incluindo quem não teve indicação de etnia), mas 27,9% dos mortos.
O infectologista Ronaldo Hallal, consultor do Comitê Covid-19 da Sociedade Rio-Grandense de Infectologia, não enxerga uma reversão do cenário atual para breve:
— Estamos com uma estabilidade (no registro de novas mortes) em alto patamar, em que o Norte e o Nordeste foram trocados pelo Sudeste e pelo Sul (como epicentros nacionais da doença). Deveremos ter uma expansão maior das mortes em razão disso.