O eu não é senhor em sua própria morada.
Tenho pensando nessa famosa frase de Freud, centro da teoria psicanalítica. É uma ideia angustiante, por indicar que não temos controle nem sobre nós mesmos. Mas se trata de uma verdade inegável, basta você investigar um pouco a si mesmo e perceberá.
Você tem algum vício? Cigarro? Bebida? Sexo? Redes sociais? Quindim com café? Se tem, talvez aquilo que começou como prazer tenha se tornado angústia. Mas, ainda assim, você não consegue parar. E, se conseguir, sofrerá.
A mesma coisa a paixão. Um homem apaixonado é um homem doente. Porque ele vive para aquele sentimento, é só aquilo que existe. E, se a mulher amada o abandona, ele se desespera. Ele queria trocá-la por outra com a facilidade com que obtém sexo casual, mas não é possível, nenhuma outra nem nada mais tem graça. Então, primeiro, ele rasteja; depois, agride; depois, rasteja de novo; e de novo agride. Para ele, é penoso se conformar e insuportável sequer pensar em aceitar.
A loucura que se apossa do homem desprezado não é só cultural. Claro, existe o ingrediente do sentimento de posse. Aquela coisa: a MINHA mulher. Como se ela fosse um bem, uma propriedade que pudesse ser roubada. Sim, existe isso e isso é cultural. Mas há mais. Há algo mais profundo, incrustado na alma masculina, que faz o homem se sentir desamparado e sem chão, quando a mulher não quer mais se relacionar com ele. Obviamente, tem a ver com a mãe, mas não vou pisar nesse terreno, essa teoria deixo para o Mário Corso.
O fato é que existe em nós uma camada abaixo do racional que, não raro, comanda o racional. O mesmo Freud escreveu que as decisões mais importantes da vida têm de ser tomadas levando-se em conta essa camada. Isto é: quando você vai tomar uma resolução estratégica, deve consultar não apenas os prós e os contras, friamente, calculadamente e racionalmente. Não: os seus sentimentos, ou instintos, ou seja lá como os chame, também vão lhe fornecer informações fundamentais.
Em resumo, você não é livre nem estando sozinho. Muito menos vivendo em sociedade.
Só que o homem é um ser social. O Homo Sapiens domina a Terra há pelo menos 300 mil anos exatamente por se organizar de forma coletiva.
Essa organização, que servia para caçar mamutes e fugir de enchentes, foi ficando mais complexa, até se transformar em civilização. Que funciona a partir de regras. Que causam desconforto. Freud também teorizou a respeito em seu clássico O Mal-Estar na Civilização.
Realmente, é desagradável ter de cumprir a lei. Mas a vida em sociedade nos obriga. Agora, mais do que nunca. Em tempos de extremo perigo, como nas guerras ou nas epidemias, seguir as regras é questão de sobrevivência.
Estamos passando por um momento crítico. Teremos de nos submeter a certas normas, mesmo que não concordemos com elas. Não se revolte. Cumpra o que foi estabelecido. Lembre-se: você não manda nem em si mesmo.