“Papai, estou tão triste”, dizia a mensagem que recebi do meu filho no celular.
Aquilo me inquietou. Como assim? Fazia poucos minutos que o vira, e estava tudo bem. Ele havia passado o dia inteiro animado. Inclusive, a primeira frase que falou, ao sentar-se à mesa do café da manhã, tinha um ponto de exclamação no final:
– Papai, os Estados Unidos vão lançar um foguete hoje!
Eu estava meio distraído, passando manteiga no pão e pensando alternadamente nos perigos que corre o estado democrático de direito e na falta que faz o autêntico salamito italiano, que é bom de se comer com chimia de uva, por isso não entendi muito bem:
– Foguete?
– Foguete! Com astronautas dentro!
E passou a discorrer com entusiasmo sobre a importância do lançamento daquele foguete e tudo mais. Foi tanta ênfase, tanta alegria que até esqueci das minhas preocupações com o estado democrático de direito, embora a carência do autêntico salamito italiano continuasse a me provocar certa inquietação, porque é muito bom, mesmo, de se comer com chimia de uva.
Lembrei-me de quando o homem pisou na lua pela primeira vez. Foi um evento excitante para o menino que eu era. Nos reunimos em frente à TV preto e branco do meu avô, na sala da casa dele. Estávamos eu e meus irmãos, meu avô, minha mãe, minha madrinha, todos nós, menos a minha avó, que preferiu ficar lidando na cozinha. Nós a chamávamos:
– Vem ver, vó! O homem chegando à lua!
– Ah, isso é mentira... – ela rebatia, e não havia o que a convencesse do contrário. Até o fim da vida duvidou que pudéssemos ter alcançado a lua. Hoje, contemplando o canavial de opiniões que toma conta das redes sociais, com olavistas, terraplanistas e negacionistas esfervilhando, penso que minha avó foi uma mulher à frente do seu tempo.
Talvez isso de se empolgar com foguetes seja próprio de meninos. Deve ser, ou a minha vó viria da cozinha para ver Neil Armstrong na TV em 1969 e eu não ficaria pensando tanto no salamito italiano com chimia de uva em 2020.
Meu filho, menino que é, continuou animado com o foguete durante todo o dia. Três horas antes do momento marcado para o lançamento, ele se postou em frente à TV e conectou no canal que transmitia o evento direto do Cabo Kennedy. Pensei que logo iria se aborrecer e correr para os games, mas qual o quê. Continuou firme no sofá, tecendo comentários espaciais.
Aí chegou o João Francisco.
O João Francisco é amigo do meu filho desde a escolinha. Ele mora perto e, como ambos estão isolados, podem brincar juntos. Foi para isso que veio.
– Vamos brincar? – convidou.
E o Bernardo:
– Estou vendo o foguete.
– Ah, o foguete! Também quero ver. Mas falta tempo... Quem sabe vamos brincar e voltamos na hora do lançamento?
– Boa.
E eles se foram, e eu fiquei em meio a meus afazeres terráqueos. Foi então que recebi aquela mensagem: “Papai, estou tão triste”. Fiquei intrigado. “O que aconteceu?”, perguntei. E ele: “A NASA não vai mais lançar o foguete...”
Senti algo entre o alívio e a consternação. Alívio porque não ocorrera nada de grave com ele, consternação porque sua tristeza era autêntica. Foguetes são importantes para os meninos inocentes de todo o mundo. E é importante para a inocência de todo o mundo que haja meninos que se importem com os foguetes.