Dolly era uma mulher cheia de ardores. Isso ela mesma dizia, para justificar seus atos.
Nascida na Alemanha, Dolly morava junto com seu marido americano Fred em uma espaçosa casa em Milwaukee, nos Estados Unidos. Fred tinha uma fábrica de aventais. Naquela época, segunda década do século 20, avental vendia muito. Assim, Fred trabalhava muito. E deixava sua impetuosa mulher "precisada", como diriam os antigos.
Um dia em que se sentia mais abrasada, Dolly traçou um plano: ligou para o marido queixando-se de que sua máquina de costura havia quebrado. Ele reagiu como ela calculara: mandou um jovem funcionário de sua fábrica para fazer o conserto. O rapagão chamava-se Otto e experimentava o vigor de seus 17 anos. Dolly o recebeu vestindo tão somente meia-calça e um roupão transparente. Otto deve ter pensado: "Me dei bem". Deu-se. Ele e Dolly passaram a tarde espadanando no pecado e chafurdando na luxúria.
A partir dali, tornaram-se amantes. Primeiro, encontravam-se em motéis baratos de beira de estrada, depois ele passou a ir à casa dela, mas os vizinhos começaram a desconfiar. Então, Dolly fez uma proposta inusitada ao rapaz: ele podia morar no sótão da casa dela, que era grande e arejado. Otto gostou da ideia, pediu demissão e mudou-se para lá.
Durante os cinco anos seguintes, a rotina de Otto foi imutável: à luz do dia, ele atendia às exigências carnais de Dolly; à noite, permanecia trancado no sótão, iluminado apenas por uma vela, escrevendo histórias eróticas baseadas na sua experiência com a alemã. Neste tempo todo, Otto jamais saiu da casa da amante.
Mas um dia Fred chegou em casa todo faceiro, anunciando que, para expandir os negócios, eles se mudariam para Los Angeles. Dolly, a princípio, ficou desesperada, mas recuperou-se rápido: propôs que ela mesma escolhesse a nova casa em que iam morar. Fred topou, a mulher foi para Los Angeles e encontrou uma casa dotada de um enorme sótão. Em seguida, mandou Otto para lá. Ele foi. E, pelos cinco anos seguintes, não saiu mais.
Talvez Otto tivesse ficado escondido no sótão pelo resto da vida, mas, uma noite, Fred e Dolly se desentenderam e brigaram aos gritos, ele ouviu, se assustou e desceu correndo para salvar a amada. Fred sacou de um revólver e Otto caiu em cima dele. Os dois lutaram, o revólver disparou e, na cena seguinte, o corpo do marido jazia ensanguentado no chão, morto, mortinho. E agora? Como sair da enrascada? Otto improvisou: sabia que os vizinhos, ao ouvir o tiro, chamariam a polícia. Então, trancou Dolly em um armário, pegou a arma do crime, arranjou a cena como se fosse um assalto e voltou para o sótão. Os policiais chegaram, desconfiaram de Dolly, mas não tinham como explicar de que maneira ela se trancara no armário, se a chave ficou do lado de fora. Então, funcionou. Eles acreditaram que Fred fora vítima de um latrocínio.
Dolly agora estava livre, podia viver seu romance com Otto sem medo. Foi o que eles tentaram fazer por um tempo, só que aí perdeu a graça. Otto descobriu que era a clandestinidade que o excitava. Por isso, incentivou Dolly a arranjar outro homem, com quem ela se mudou para uma nova casa com um bom sótão, onde Otto se acomodou. E no sótão ele prosseguiu por mais algum tempo, até que Dolly se cansou de tudo aquilo e o mandou embora. A polícia acabou descobrindo a trama mais tarde, graças à denúncia de um dos amantes de Dolly. O crime, porém, prescrevera, eles não foram presos e Otto passou o resto da vida vendendo suas histórias eróticas.
Hoje, com quase dois meses e meio de isolamento social, pensei em Otto. Imaginei-o fechado em seu sótão, feliz da vida, por anos a fio. Veja como, em determinadas circunstâncias, tudo o que quer um homem da vida é um bom confinamento.