Antes as pessoas diziam: se o brasileiro desse tanta importância à política quanto dá ao futebol, o país estaria salvo.
Bem.
Não era verdade.
Hoje o brasileiro dá mais importância à política do que ao futebol, e o país não está salvo. Ao contrário: o país tornou-se imensamente chato.
Esse nosso processo de, digamos, "chatonilzação" foi se dando primeiro devagar e, depois, parece ter sido de uma vez só. Porque se você pegar os anos 70, 80 ou 90 verá que então só a esquerda era chata. A esquerda é que ficava julgando as outras pessoas e se achava moralmente superior. Cacá Diegues chamou isso de "patrulha ideológica". Foi essa patrulha que, por exemplo, "capturou", julgou e condenou Wilson Simonal.
Claro que Simonal errou feio. Ele achou que estava sendo roubado pelo contador da sua empresa e pediu que alguns policiais que conhecia "dessem uma dura" no homem para arrancar-lhe uma confissão. O problema é que esses policiais eram dos órgãos de repressão e torturaram o pobre contador, que foi aos jornais para denunciar Simonal. Foi o que bastou para acabar com a carreira dele para sempre. Simonal nunca mais se recuperou. Chamavam-no de agente da ditadura, de dedo-duro, de espião. Não conseguia mais fazer show. Quando participava de algum, cantava debaixo de vaias. Começou a beber, ficou doente e, antes de morrer, esquecido e triste, repetia:
— Eu sou um fantasma... Eu sou um fantasma...
A esquerda fazia isso, naquele tempo. Já a direita nem se assumia como direita, exatamente por medo do julgamento. Todos os políticos se diziam de esquerda ou, no máximo, de centro. Ser de direita era ser contra os pobres, contra a justiça social e a favor da exploração do mais fraco pelo mais forte.
A direita não se manifestava, não saía às ruas, tinha vergonha de se mostrar. Foi a ascensão do PT ao poder que chutou a direita para fora do armário. Porque agora não era mais só uma elite intelectual que fazia a patrulha ideológica; era o próprio governo. Eram as instituições. Deu-se uma lei da física: pressionada, a direita explodiu. Só que, a partir deste ponto, não havia mais pensadores sutis, como Roberto Campos, Simonsen ou Delfim. Não. A direita que saiu das sombras foi a direita olavista, furiosa, tosca.
E assim chegamos ao ano da peste, em que todos se interessam pela política. Há patrulhas ideológicas dos dois lados, há insanidades dos dois lados, sobretudo das lideranças. Lula, líder das esquerdas, saudou o coronavírus porque o mal mostra como o Estado é importante. Bolsonaro, líder da direita, faz piadas sem graça no dia em que mais de mil pessoas morreram de covid-19 no país. Pior: os dois encontram quem os defenda. São brasileiros cheios de opiniões políticas, que, em vez da escalação da Seleção, conhecem cada um dos 11 do STF; que, em vez de conceitos táticos, conhecem dogmas ideológicos. Chatos. Irremediavelmente chatos. Que saudade do tempo em que o futebol era o ópio do povo.