Paulinho da Viola caminhava à noite pela Lapa e ouviu um som familiar. Isso aconteceu há menos de um ano, quando os tempos ainda não eram pandêmicos e as noites cariocas esfervilhavam de alegre aglomeração de seres humanos.
Sei dessa história porque o próprio Paulinho da Viola postou no Facebook, embora ele não seja muito afeito às redes. O vídeo mostra Paulinho, debaixo de seus cabelos brancos, avançando em meio à multidão, enquanto a melodia de Choro Negro, que ele compôs há mais de 40 anos, evolava-se pelo ar, feito o aroma de uma comida boa.
Paulinho foi em frente devagar, seguindo a música, como os ratos seguiam o flautista de Hamelin. De onde viria? Quem estava tocando?
Tenho admiração pelo Paulinho da Viola. Não só por suas músicas, mas pela pessoa que parece ser. Posso estar enganado, Caetano já disse que de perto ninguém é normal, mas Paulinho da Viola passa a impressão de que a bondade e a humildade lhe estão atarraxadas no peito. Ele fala baixo, ele está sempre sorrindo e, nas horas vagas, ele é carpinteiro. Que lindo alguém ser carpinteiro por gosto. Deve ser agradável tomar uns chopes com ele.
A Marcinha uma vez valeu-se dessa minha estima pelo Paulinho da Viola para me preparar uma armadilha. É que o meu apartamento tinha um bar e ela não gostava daquele bar, ela queria de todo jeito retirar o meu bar da sala. Aí, um dia, ela fez. Desmontou o bar. À noite, ao chegar do trabalho, abri a porta do apartamento e não havia mais bar. Mas havia a mesa posta e um tinto aberto e, no momento em que ia perguntar o que afinal tinha acontecido com meu bar, ela apontou para a TV. Olhei. Rodava um filme com o Paulinho da Viola. Ela botara o CD do Paulinho para me amaciar. Deu certo. Sentei, servi-me de vinho e fiquei apreciando as histórias e as músicas do Paulinho da Viola, sem reclamar da ausência do bar.
Ainda sinto falta do meu bar, para dizer a verdade, mas o que interessa agora é o Paulinho na Lapa. Pois ele foi ziguezagueando entre as pessoas, até encontrar a fonte da música. Era um grupo que tocava na calçada, e tocava bem, o Choro Negro era executado com precisão profissional. Paulinho parou, sorrindo, os braços cruzados no peito. As pessoas no entorno o reconheceram e começaram a aplaudir. Ele ficou ouvindo, quieto. Um dos músicos era um senhor de cabelos tão brancos quanto os dele, só que mais velho, encurvado pela idade, uns 80 anos, talvez. Muito concentrado, debruçado ao violão, nem percebeu que o autor da música que tocava o observava. Paulinho continuou olhando e ouvindo até o fim. Então, foi cumprimentar os músicos. Foi de um a um e deteve-se no senhorzinho de cabeça branca. Conversou com ele por algum tempo, com respeito, com atenção. Por fim, cumprimentou-o mais uma vez, e depois se foi.
Bonito aquilo, o autor de uma música encontrando-a ao acaso pela rua. Bonita também a reverência do Paulinho da Viola com o velho músico da calçada. Fiquei pensando que, hoje, os dois, o Paulinho e o músico, estão recolhidos em casa, protegendo-se da peste. A Lapa deve estar silenciosa, os bares devem estar vazios, tudo à espera de um tempo mais seguro, quando de novo poderemos viver esses momentos simples, momentos que são até banais, mas que são tão maravilhosos.