Fui ao Rio no fim de semana passado com um propósito específico: assistir ao show de Paulinho da Viola. Verdade que gosto tanto do Rio que não preciso de desculpa, mas quando soube que Paulinho tinha dois shows previstos na minha cidade de estimação — e nenhum em Porto Alegre — provoquei minhas irmãs para fazer o que chamamos de "passeio das Cajazeiras". Beth não podia, mas Roseli topou na hora.
Só depois de comprar os ingressos descobrimos que a passagem estava com preço absurdo, mas na filosofia de que mais vale um prazer do que um vintém, lá fomos nós. Paulinho vale qualquer esforço.
Foi tão bonito que, ali mesmo, quando na primeira fala ele citou Porto Alegre, decidi compartilhar as impressões com os leitores deste espaço dedicado ao lúdico. Com aquele jeito de guri tímido, apesar dos cabelos 100% brancos, Paulinho contou que certo dia, em Porto Alegre, ele estava se preparando para um show "no pátio de um supermercado" (deduzo que falava dos Concertos Comunitários Zaffari) quando Rubens Santos o abordou e disse:
— Você canta essa canção há muito tempo, mas a letra do Lupi é um pouquinho diferente...
A música é Nervos de Aço, que Paulinho interpreta divinamente: “Você sabe o que é ter um amor, meu senhor/ Ter loucura por uma mulher/ E depois encontrar esse amor, meu senhor/ nos braços de um tipo qualquer...”
A plateia era um retrato do artista quando eterno e atemporal. Tinha gente de todas as idades, mas impressionou-me a quantidade de homens e mulheres na faixa dos 70, 80, talvez 90 anos. Nunca tinha ido a um show com tantas bengalas e cadeiras de rodas na plateia como esse no Vivo Rio.
Foi uma epifania ver aquela multidão cantando clássicos como Coração Leviano e Timoneiro, que numa aula de filosofia em São Paulo, em 1999, o professor Jean Lauand usou como prova de que Paulinho da Viola é o maior filósofo do Brasil. Eu a usaria para acrescentar que, além de meu filósofo preferido, Paulinho é um dos melhores poetas do nosso tempo:
"Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar
Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar
É ele quem me carrega
Como nem fosse levar
É ele quem me carrega
Como nem fosse levar
E quanto mais remo mais rezo
Pra nunca mais se acabar
Essa viagem que faz
O mar em torno do mar
Meu velho um dia falou
Com seu jeito de avisar:
- Olha, o mar não tem cabelos
Que a gente possa agarrar
Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar
Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar
É ele quem me carrega
Como nem fosse levar
É ele quem me carrega
Como nem fosse levar
Timoneiro nunca fui
Que eu não sou de velejar
O leme da minha vida
Deus é quem faz governar
E quando alguém me pergunta
Como se faz pra nadar
Explico que eu não navego
Quem me navega é o mar
Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar
Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar
É ele quem me carrega
Como nem fosse levar
É ele quem me carrega
Como nem fosse levar
A rede do meu destino
Parece a de um pescador
Quando retorna vazia
Vem carregada de dor
Vivo num redemoinho
Deus bem sabe o que ele faz
A onda que me carrega
Ela mesma é quem me traz"
Voltando ao show, Paulinho contou a história de Para um amor no Recife (que é um amor de mãe emprestada e não a cantiga de uma paixão por alguma pernambucana sortuda, como eu imaginava). Contou que uma das suas canções preferidas é também uma das que mais me emocionam, cantada por ele ou por Teresa Cristina, outra deusa da minha devoção: Coisas do Mundo Minha Nega. É um conto, uma crônica, um samba de reflexão.
Não tenho aqui como falar de cada música, de cada história, mas ainda preciso dizer que no bis ele canta Dama de Espadas, que, se eu fosse você, iria agora mesmo procurar no YouTube, para melhorar o domingo e homenagear este grande artista brasileiro.