Tenho verdadeira paixão pelo Rio de Janeiro, essa cidade maravilhosa, machucada pela corrupção e pela violência. Mesmo desafinada, sinto vontade de cantar o Samba do Avião, de Tom Jobim, para dizer "Rio, você foi feito pra mim" e contar que "minha alma canta" quando enxergo, na chegada ao Santos Dumont, o contorno da ponte Rio-Niterói ou a figura do Cristo Redentor iluminado. Estive lá no fim de semana passado com um objetivo bem específico: conhecer a Casa Roberto Marinho, transformada em centro cultural com espaço para exposições, sala de cinema, café e livraria. Só o jardim, obra de Burle Marx, vale a viagem.
Por fora, eu já conhecia o lendário sobrado rosa da Rua Cosme Velho, 1.105, ao pé do Corcovado. Estive lá em agosto de 2003, com o fotógrafo Ricardo Chaves, o Kadão, na cobertura do velório do dono da casa. Nós, os repórteres credenciados, ficamos no jardim, vendo chegarem artistas, políticos e amigos da família. Naquele dia, descobri a técnica de pendurar orquídeas nas árvores, como se tivessem nascido ali, mas não pude contemplar o jardim inteiro, com seus flamingos, porque ficamos numa área restrita. De tempos em tempos, uma dupla de jornalistas era autorizada a ir até o salão onde ocorria o velório.
Lembrei-me desse dia de agosto ao visitar uma das salas da exposição Moderno 10 - Destaques da Coleção, com obras da coleção particular do jornalista, compradas ou doadas pelos artistas que frequentaram o sobrado. Depois de passar por Di Cavalcanti (única ala em que é proibido fotografar as obras), chega-se ao espaço de Guignard. Ali meus olhos foram atraídos por uma tela que retrata um vaso de orquídeas da espécie Cattleya, pintado em 1936-1937. Imagino que era a flor preferida do dono da Globo, porque no caixão seu corpo estava coberto de orquídeas brancas.
Quinze anos depois, a casa está diferente. Foi adaptada para virar o Instituto Casa Roberto Marinho. Logo na entrada, o piano de cauda recorda os artistas que passaram pela casa em festas memoráveis ou tocaram para a família. Segue-se a exposição 10 Contemporâneos, com pinturas, fotos e serigrafias de artistas convidados a criar sobre os temas "casa" e "arquitetura".
A peça que um dia foi o quarto de Roberto Marinho, com janelão para o jardim, agora abriga obras de Candido Portinari. Na sala ao lado, quadros de Tarsila do Amaral, como Paisagem II (paisagem com flores rosas e roxas), de 1963, Djanira, Milton da Costa e Burle Marx.
Pancetti reina absoluto no próximo ambiente. Boneco, de 1939, era o quadro preferido do dono do sobrado, mas a mim encantaram mesmo as paisagens em que predominam os tons de verde e azul.
Ainda tem Lasar Segall e Ismael Nery, mas preciso falar do jardim que leva a assinatura inconfundível de Burle Marx. Os flamingos foram levados para uma fazenda, mas permaneceram as carpas japonesas no córrego com a ponte que lembra os jardins de Giverny, retratados por Monet. São tantas espécies de plantas tropicais em meio a árvores centenárias, que é impossível citar a todas pelos nomes. Na semana passada, estava florido o abricó-de-macaco, que em outros locais do Rio floresce em janeiro e fevereiro.