O Flávio Dutra, que é grande amigo, grande jornalista e grande gaiato, diria que "a nova mãe de todas as batalhas" será travada entre quem é contra e quem é a favor de Greta Thunberg. De fato, é admirável a projeção que essa menina ganhou, acicatando até gente que, em tese, devia ter mais o que fazer do que se ocupar dela, como Trump, Putin e Bolsonaro. Ela é realmente um fenômeno.
Mas não é uma novidade.
Cumprindo-se determinadas condições, Gretas Thunbergs surgem quase que como geração espontânea na civilização, sempre fascinando o, digamos, "mundo dos adultos". No começo dos anos 1200, quando a concepção de "infância" era completamente diferente da que temos hoje, houve não uma, mas duas Gretas.
Na França, um menino de 12 anos de idade chamado Estêvão saiu por sua cidade, Cloyes, jurando que Jesus tinha descido do Céu para lhe dar uma ordem: ele devia arregimentar um exército de crianças para tomar Jerusalém das mãos heréticas dos muçulmanos.
Até aquele ano, 1212, os cristãos haviam organizado quatro cruzadas para expulsar os islamitas da Cidade Santa, sem sucesso. A lógica propagada por Estêvão era fortíssima, para tempos crédulos: os cristãos perdiam porque seus soldados eram pecadores, mas um exército formado apenas por guerreiros de coração puro seria imbatível, pois o próprio Deus lutaria a seu favor.
Divulgando esse raciocínio com muita veemência, Estêvão conseguiu reunir milhares de crianças e jovens e com eles partiu para Saint Denis, a fim de solicitar uma audiência com o rei Filipe II. Até aí, a jornada de Estêvão é bem documentada, depois há versões diferentes. O certo é que Filipe ficou encantado com a devoção das crianças, mas constrangido com a, bem, infantilidade delas. Mandou que todos voltassem para casa.
Estêvão não obedeceu. Decidiu que eles iriam empreender a viagem de mais de 4 mil quilômetros mesmo sem ajuda estatal. Levou suas legiões, que, dizem os historiadores, era de 20 mil meninos, às margens do Mediterrâneo. Então, como Moisés, ergueu os braços e ordenou que as águas do mar se abrissem para lhes dar passagem. As águas, teimosas, ficaram como estavam havia milhões de anos. Parte do grupo, concluindo que Estêvão não estava com tanta moral com o Senhor, se dispersou. Só que outra parte permaneceu para ver o milagre se cumprir: dois mercadores apareceram e ofereceram transporte gratuito para as crianças até Jerusalém. Cerca de dois mil embarcaram, dando graças a Deus por sua boa sorte.
Era uma cilada.
Antes de chegar à Terra Santa, os mercadores venderam os meninos como escravos para os muçulmanos e nunca mais se ouviu falar deles.
Pouco antes disso, também em 1212, outro menino teve fim parecido. Ele se chamava Nicolau, tinha 10 anos e vivia na Alemanha. Sem se comunicar por WhatsApp, Twitter ou telefone com Estêvão, ele se valeu de um discurso semelhante e obteve resultados semelhantes. Recrutou um exército de 40 mil meninos e jovens e saiu em marcha com eles para Roma. No caminho, milhares morreram ou desertaram. Cerca de sete mil chegaram à Cidade Eterna, onde o papa Inocêncio repetiu o que fez o rei Filipe: mandou que eles voltassem para casa. Foi o que uns fizeram. Outros, não. Outros foram em frente, mas, como no caso de Estêvão, sumiram sem deixar rastros.
A fanatização de crianças e adolescentes é bastante comum, na história do mundo. Mais perto de nós temos casos como os da Juventude Hitlerista e da Revolução Cultural, de Mao Tsé-tung, onde os protagonistas eram jovens que, não raro, apontavam os próprios pais como traidores da causa.
E é essa a palavra-chave: causa. O espírito do jovem se eleva, quando ele se entrega a uma causa. Não há maldade ali; há devoção. Há, como queriam Estêvão e Nicolau, pureza. Mas, cuidado, pode haver certo perigo.