Só as mães são felizes, cantou Cazuza no melhor disco da sua vida, O Tempo não Para, lançado num tempo em que para do verbo parar levava na testa o acento que lhe dava dignidade e força.
Essa faixa, Só as Mães São Felizes, ele cantou com uma ginga de gato vadio, de blueseiro dos distritos negros de Chicago.
Comprei o disco, na época, e o ouvia sempre no meu poderoso três em um. Todas as músicas eram boas. A poesia de Cazuza cortava feito navalha e suas interpretações eram cheias de manemolência.
Mas ele sofria.
Contaminado pelo HIV, Cazuza definhava diante de um Brasil que recém descobrira a praga da aids. Era aterrorizante. A revista Veja escreveu uma reportagem a respeito. Na capa, publicou a foto de Cazuza esquálido, com as mãos cruzadas no peito como um faraó egípcio, de óculos, o cabelo ralo, a face angulosa. O título: “Uma vítima da aids agoniza em praça pública”.
Essa capa gerou polêmica, mas dizia a verdade. Ele agonizava em praça pública. Mais: fez bem ao Brasil. O medo que os brasileiros sentiram de terminar como Cazuza foi um estímulo para a prevenção.
Eu cogitava, então: será que, se Cazuza não tivesse contraído o HIV, produziria um disco tão bom quanto O Tempo não Para? Creio que não. Cazuza tornou-se mais profundo, devido ao drama pessoal. A dor fez bem para a arte. Sempre faz.
Uma vez, perguntaram a Dostoiévski qual era o segredo para escrever bem. Ele respondeu:
– Sofrer, sofrer e sofrer.
De fato, a obra imortal de Dostoiévski foi construída com tijolos de sofrimento.
Dostoiévski era czarista, não partilhava dos anseios revolucionários dos russos da sua época. Mas frequentou algumas reuniões de conspiradores em que ia seu irmão. O problema é que a polícia do Estado descobriu acerca desses encontros e prendeu todos os que deles participaram. Dostoiévski foi condenado à morte. Levaram-no diante de um pelotão de fuzilamento. O comandante gritou “preparar!”, depois “apontar!” e, antes que ordenasse “fogo!”, um cavaleiro entrou na praça de execução, avisando que o czar Nicolau I concedera o perdão ao condenado.
Na verdade, tratava-se de uma encenação cruel, feita a mando do czar. Dostoiévski, traumatizado, teve a pena comutada para prisão na Sibéria e lá ficou por quatro anos. Nesse período, reagiu à adversidade como Cazuza: criando. Escreveu um dos maiores romances da literatura mundial, Recordações da Casa dos Mortos.
Conto tudo isso por causa de Neymar. Tenho uma curiosidade a respeito dele. Será que os graves problemas que ele vem enfrentando nos últimos dias servirão para que amadureça? Será que veremos o “menino Ney” enfim crescer? Ou será que ele se deixará abater?
Agora saberemos qual é o tamanho real de Neymar. Porque os pequenos respondem aos reveses da vida diminuindo até quase sumir. Os grandes tornam-se maiores ainda.