Nunca mais comi doce de abóbora. A minha avó fazia. Você talvez não saiba a bênção que é ter uma avó que faça doce de abóbora. Era uma delícia, uma delícia. Isso que não sou muito de doce. Mas os da minha avó eram supimpas. Doce de figo, compotas de pêssego, sagu com creme.
Minha avó passava o dia inteiro na cozinha. Você chegava à casa dela e sentia o cheiro de alguma comida maravilhosa se evolando pelo ambiente e dizia:
O que mais me encanta na história da minha avó é a importância que dávamos ao que ela fazia a cada dia por nós.
– Oh… que fome!
Preparava tudo com as próprias mãos. O pão, a massa, o queijo, até cerveja ela fez, uma época, mas desistiu depois, porque algumas garrafas estouravam durante o processo de fermentação, e era a maior bagunça.
Bem na frente da casa da minha avó, tinha um açougue, o açougue do seu Milton, gremistão devotado. Quando o Grêmio perdia, ele se trancava no quarto e ficava dois dias sem falar com ninguém. Mais ou menos pelo meio da manhã, quase todas as manhãs, minha avó pegava um prato, ia ao açougue do seu Milton e voltava de lá com uma peça de carne. A carne não era embalada nem nada – ficava em cima daquele prato. Às vezes, a vó parava para conversar com a dona Matilde, a vizinha do lado, e ficava de pé, com uma mão apoiada na cerca e a outra segurando o prato com a carne.
Minha mãe conta que, uma vez, minha avó mandou que ela fosse ao açougue do seu Milton para comprar um quilo de carne. Minha mãe era criança, eu ainda não existia, para alegria do pessoal das redes. Bem. Minha mãe entrou no açougue e o seu Milton estava sentado em um banquinho, comendo um bife. Ela não ousou fazer o pedido antes de ele terminar – naquele tempo as crianças tinham mais deferência com os adultos. Ficou olhando: seu Milton havia deitado no prato um bife dourado e duas grandes pimentas malaguetas vermelhas, da cor da camisa do Inter dos anos 1970. Ele cortava um pedaço de bife e um pedaço de pimenta, fincava ambos com o garfo e levava a combinação à boca. Comia com gosto. E a minha mãe, observando, salivava. Ao voltar para casa, ela pediu pra minha avó:
– Mãe, eu queria comer bife com pimenta!
Minha avó estranhou, mas atendeu. Preparou o bife e as pimentas segundo a orientação da minha mãe, exatamente como fizera o seu Milton. Então, minha mãe sentou-se diante da iguaria, cortou um naco de bife, uma lasca de pimenta, espetou ambos com o garfo e os conduziu à boca. Comeu. E… AAAAAAAH!, gritou de horror. Parecia que tinha mastigado uma fatia do inferno.
Minha avó fritava bifes na manteiga e os temperava com alho. Jamais esquecerei do odor daqueles bifes e, claro, do seu sabor. Tudo o que ela fazia naquela cozinha era bom. Tudo. Era um festival gastronômico diário, a mesa sempre cheia de comida. No jantar, não raro havia feijão, arroz, bife, salada, batata, ovo e alguma coisinha a mais, como quibebe. De sobremesa, talvez o doce de abóbora de que me lembrei hoje. No fim, não era o fim. Ela dizia:
– Agora, que tal um cafezinho?
Só que não era cafezinho, cafezinho: era uma xícara de café com leite, mais pão com schmier e queijo! E nós comíamos!
Como é que não tinha gordo na família, isso é que não sei.
Mas o que mais me encanta na história da minha avó é a importância que dávamos ao que ela fazia a cada dia por nós, esse mero ato de nos servir um doce em calda ou um prato de macarrão. Ainda hoje nós nos sentimos tocados ao lembrar de um daqueles acepipes comuns e ao mesmo tempo surpreendentes, de um daqueles jantares despretensiosos e ao mesmo tempo suntuosos que ela nos oferecia. É como se ela estivesse sempre conosco.
As pessoas querem se realizar como médicos, advogados, jornalistas, alguma dessas profissões acadêmicas, ou como empresários, investidores, ganhadores de dinheiro, ou até como políticos, como pessoas públicas. As pessoas almejam, muitas vezes, fama e sucesso, nem que seja entre seus seguidores nas redes sociais. Não sabem, essas pessoas, que, se você fizer algo para os outros com dedicação, nem que seja algo singelo, como cozinhar, não sabem que basta isso para que os outros sintam o amor que você imprimiu naquela tarefa. E que isso, essa ação na aparência tão pequena, vai tornar você importante para as outras pessoas. E que isso fará com que sua vida tenha significado. E que isso, tão simples, tão puro, tão chão, fará de você, verdadeiramente, imortal.