Você aí na canícula e eu aqui no subzero. Estou passando o feriado em Pittsford, uma pequena vila do norte do Estado de Nova York, perto das Cataratas do Niágara. Um lugar bucólico, que parece ter sido congelado no século 18.
Quando digo congelado, não é força de expressão – tudo está branco de neve e tiritando de frio. E tudo também está muito, muito enfeitado para o Natal.
Bolsonaro está equivocado quando diz que sexo “é coisa que papai e mamãe têm de ensinar em casa”.
Os americanos gostam de Natal. Mas gostam! Em todos os lugares em que você entra, inclusive em lojas, restaurantes e carros do Uber, tocam músicas de Natal. Em Boston, tem uma rádio que começa a tocar músicas de Natal em novembro e prossegue com a programação até janeiro – SÓ músicas de Natal. Só. Nada mais. Nunca pensei que houvesse tanta música de Natal no mundo. Pois aqui, nas franjas do Canadá, parece que todas as malditas rádios executam apenas e tão somente malditas músicas de Natal o tempo inteiro, sem clemência.
Você não vai acreditar: sabe aquelas vozes dos aplicativos de GPS, para a gente encontrar determinado endereço? Pois é: eles colocaram a voz do Papai Noel. O cara diz:
– Em um quarto de milha, vire à esquerda.
E acrescenta:
– Ho! Ho! Ho!
É muito Natal. O sino pequenino de Belém badala sem cessar, deixa o cara meio enfarado. Mas tem algo de que gostei: noite passada, estava na casa de uns amigos e alguém bateu à porta.
– São eles! – gritou Marina, a filhinha do casal, que tem cinco anos.
– Eles quem? – perguntei.
Ninguém respondeu. Levantaram-se e correram para a porta, tão animados quanto a menina. Fui atrás para ver o que era – era um grupo de crianças, cerca de 12. Elas estavam debaixo de gorros de Papai Noel e tinham entre nove e 13 anos de idade. A menina da casa, Marina, saltitava de empolgação. Então, as crianças começaram a cantar músicas de Natal. Cantaram umas três, nós aplaudimos, elas nos deixaram uma caixa de docinhos e foram para a casa ao lado.
Você consegue imaginar pré-adolescentes brasileiros fazendo algo vagamente semelhante?
É o que noto também no Halloween. As crianças entram em fantasias e saem pela rua pedindo doces nas casas. Os moradores apresentam um pote de guloseimas, a criança colhe UMA bala, guarda em sua bolsa e vai para a casa seguinte. É uma festa bonita e inocente, impossível de acontecer no Brasil. Um pouco por causa das dolorosas questões da segurança pública, mas principalmente porque no Brasil a infância é curta.
Crianças de segunda infância, no Brasil, são pequenos adultos. São mais maliciosas e mais sexualizadas do que as dos Estados Unidos. Porque as culturas são diferentes: no Brasil, os costumes são mais frouxos.
Trata-se de uma situação irreversível. Não há volta. E é por isso que aulas de educação sexual são tão importantes no Brasil. Mais até do que nos Estados Unidos, onde ninguém contesta essa importância.
Bolsonaro está equivocado quando diz que sexo “é coisa que papai e mamãe têm de ensinar em casa”. Porque aulas de educação sexual não ensinam as crianças a fazer sexo. Ensinam as crianças sobre si mesmas, sobre alterações brutais que estão ocorrendo nos seus corpos e nas suas cabeças, sobre fatos que os pais delas, muitas vezes, não têm condições de ensinar.
Bolsonaro não é mal-intencionado, ele é confuso. Ele acredita que suprimir a educação sexual nas escolas tornará as crianças brasileiras mais inocentes, quando, na verdade, as tornará mais ignorantes. É um erro terrível. Porque poucas combinações são tão perigosas quanto o cruzamento da malícia com a ignorância.