Pouco depois de ter descoberto que estava com câncer, procurei um oncologista para tentar entender o que aconteceria comigo, que chances tinha, o que devia fazer etc. Sentamos, eu e a Marcinha, em frente à mesa dele, um homem muito simpático, muito tranquilo. Ele já havia dado uma olhada nos meus exames. Depois de nos cumprimentar, suas primeiras perguntas foram:
– Você tem alguma religião? Alguma crença? Como é a sua espiritualidade?
Viva os sábios cientistas de todo o mundo! Viva a ciência! E, para não dizerem que sou incréu, não deixarei de rogar: que Deus os proteja!
Arregalei os olhos. Senti uma pedra de angústia formar-se bem no meio do meu peito e tive vontade de sair correndo. Então, procurava um médico para saber como a medicina poderia me ajudar e ele vinha com uma conversa transcendental? O médico estava me mandando rezar, era isso? Não que despreze qualquer auxílio "extracampo", nem que seja o chamado "homem de pouca fé", não se trata disso. Mas, ora, se estivesse atrás de apoio espiritual, teria consultado um padre, um pastor, um pai de santo ou até um psicanalista. Do médico queria descobrir o que a ciência me oferecia.
Entendi as boas intenções dele, mas, naquele momento, queria algo prático, algo que falasse mais à razão do que à fé. Continuei essa busca nos meses seguintes, tateando no escuro, meio que a esmo, procurando um pilar sólido onde me encostar. Conversei com diversas pessoas, até que outro médico me contou que novas drogas contra o câncer estavam sendo testadas em seres humanos, com resultados animadores. Fui atrás. E descobri os estudos de imunoterapia. Consegui entrar em um e, Hosana nas alturas!, tem dado certo.
Isso aconteceu há cinco anos. Ontem, ao acordar, fiquei sabendo que dois dos descobridores desse tratamento ganharam o Prêmio Nobel de Medicina. São eles o japonês Tasuku Honjo e o americano James Allison. De certa forma, me senti também vencedor, porque, bem, tive certa participação nessa história. Está certo que preferia ter sido cientista em vez de cobaia, mas cada um dentro das suas possibilidades, não é?
Esses homens, os cientistas, são admiráveis. Muitos passam 20, 30 anos de suas vidas estudando uma única molécula. Em 99% dos casos, todo o esforço redunda em nada ou quase nada. Meia existência desperdiçada. Mas, se eles estão dentro daquele 1%, tudo valeu a pena, porque a vida não foi pequena.
Com James Allison foi assim. Ele era fascinado pelo linfócito T e, por volta dos anos 1980, começou a estudá-lo. Os linfócitos, você sabe, são os glóbulos brancos, os soldados que combatem inimigos que invadem nossos frágeis corpos, como os vírus e as bactérias. Há muitos tipos deles. O meu preferido é um de nome assustador: Natural Killer. O cara é um assassino por natureza. Ele vê um desses minúsculos bichinhos que querem nos fazer mal, vai lá e… ratatatatatatatá! Liquida com ele. Sou fã do Natural Killer.
Allison descobriu que o câncer engana esses nossos bravos soldados. De alguma forma, o tumor manda fake news para nosso sistema imunológico jurando que está tudo bem, que não há nada a ser combatido. Assim, o câncer se desenvolve sem ser incomodado. Mas os cientistas desenvolveram drogas que são como a imprensa ortodoxa, elas vão ao sistema imune e contam a verdade: ergam-se, corajosos linfócitos T, que há tumores a debelar. E os linfócitos T acodem. E os tumores são debelados. E nós ficamos vivos para festejar quando um cientista desses ganha um Prêmio Nobel.
Viva os sábios cientistas de todo o mundo! Viva a ciência! E, para não dizerem que sou incréu, não deixarei de rogar: que Deus os proteja!