Qual o melhor bar da história de Porto Alegre?
Tenho discutido essa candente questão com os amigos. Estou pensando até em organizar uma eleição. Claro, muitos dos critérios de análise serão pessoais e de natureza afetiva. Mas as escolhas são sempre assim, não é mesmo? Porém, ah, porém, tento ser justo. Provarei o quanto, apresentando outros de meus campeões, em outros setores da vida. Por exemplo, na música:
Melhor intérprete do Brasil – Roberto Carlos.
Melhor voz masculina – Tim Maia.
Melhor voz feminina – Elis Regina.
Melhor letrista – Chico Buarque, empatado com Noel Rosa.
Melhor poeta – Belchior empatado com Caetano Veloso.
Melhor sambista – Paulinho da Viola.
Melhor músico, o melhor de todos, o campeão dos campeões – Tom Jobim.
Você pode não ter concordado comigo em alguns pontos, mas repare que houve reflexão na minha eleição. Coerência, entendeu? E assim procederei para escolher O Melhor Bar da História de Porto Alegre.
Um dos critérios pessoais que pesam na avaliação é: bares em que você se deu bem, emocionalmente falando. No meu caso, destacaria o velho Doctor Jekyll, que ficava ali no Largo da Epatur. A música era ótima, só clássicos do rock'n'roll, e lá eu demonstrava por que era chamado de "O John Travolta do IAPI".
Havia uma cabeça de onça empalhada pendurada numa das paredes. O Professor Juninho se posicionava bem debaixo daquela onça, sempre com uma garrafinha de cerveja na mão. Por algum motivo, as mulheres olhavam para a onça, depois olhavam para o Juninho, de novo para a onça e mais uma vez para o Juninho. Neste instante, ele investia. Rosnava, um onço:
– Grrrau!
Elas estremeciam.
Uma noite, eu mesmo estava parado debaixo da onça e chegou uma morena e me disse, sem nem se apresentar:
– Vamos sair daqui agora!
Saí.
Ah, o velho Doctor Jekyll está na minha lista.
Outro que já fechou, e por enquanto falarei só nos que já fecharam, outro era o Espaço IAB. Nós íamos lá todas as quintas-feiras, eu, meu irmão Régis, o Zini, o Ricardo Carle, o Cyro Martins, o Sérgio Lüdtke.
O Zini havia voltado recentemente de Londres, onde vivera por três anos. Naquela época, as pessoas não viajavam tanto como agora. Então, quando o Zini começava a conversar com alguma moça interessante, era sempre esse o engate do assunto. Ele comentava casualmente:
Ainda estou estudando os bares que incluirei na minha lista. Aguardo contribuições. Por ora, citarei mais um, o desconhecido Bar do Chico.
– No tempo em que vivi em Londres, não era assim…
Ela se admirava:
– Tu viveu em Londres???
Ele, modesto:
– Pois é…
Houve também a Calçada da Fama, que não era um bar, era um complexo de bares. No princípio, nada existia naquele lugar. Tudo era ermo e sombrio, quando não turvo. A Fernando Gomes não passava de uma rua pacata e arborizada, com algumas poucas casas do lado direito e as costas do Dmae do lado esquerdo. Então, o Dirceu Russi abriu o Jazz Café e o Ricardo Carle nos convocou:
– Vamos lá prestigiar o Dirceu e sorver alguns drinques?
Foi o que fizemos. E o Jazz começou a fazer bom sucesso e logo um novo bar, o Lilliput, resolveu abrir uma filial bem ao lado. O Dirceu se inquietou, pensou que teria de dividir seus clientes, mas foi o contrário: a saudável concorrência os multiplicou e, assim, outros bares vieram e outros e mais outros, até que, num 8 de janeiro de 1997, aniversário do Professor Juninho, protagonizamos a célebre Noite dos 600 Chopes.
Ainda estou estudando os bares que incluirei na minha lista. Aguardo contribuições. Por ora, citarei mais um, o desconhecido Bar do Chico, que ficava debaixo do Viaduto Obirici, ao lado da Barbearia Gre-Nal, onde cortávamos cabelo lendo antigas edições da revista Placar. Não havia nada de especial naquele bar, a não ser o mais importante: tratava-se da cerveja mais gelada da cidade. Vinha para a mesa branquinha de neve por fora, no ponto exato antes do congelamento.
Uma noite, estávamos no Bar do Chico e, numa mesa mais afastada, acomodou-se o Ronaldo, nosso amigo do IAPI. O Ronaldo sabia brigar. Ele era frio. Ele jamais se enervava. Apenas olhava para a cara do adversário, enquanto usava os punhos para transformá-la em um xis-bacon com ovo. Nessa noite, quatro sujeitos de uma mesa próxima começaram a discutir com ele.
– Nós somos da polícia! – avisou um.
A resposta do Ronaldo:
– Bem feito. Se tivessem estudado, seriam arquitetos.
Eles se levantaram para brigar. O Ronaldo se levantou. Eu e os outros nos levantamos e nos homiziamos atrás do balcão. Sabíamos o que aconteceria. Aconteceu: o Ronaldo transformou as caras deles em xis-bacon com ovo. E quebrou o bar todinho.
Quanta história nos grandes bares de Porto Alegre!