![Gabriel Renner / Arte ZH Gabriel Renner / Arte ZH](http://www.rbsdirect.com.br/imagesrc/24639262.jpg?w=700)
Estava saindo do Uber e, antes de fechar a porta do carro, o motorista avisou:
– Estou lhe dando cinco estrelinhas, viu?
A frase chegou a me quebrar a passada. Não esperava por aquilo. Nunca havia pensado que aquele era um momento de receber estrelas. Deveria agradecer? Decidi que sim.
– Obrigado – falei, e ele me enviou um sorriso de benevolência, engatou a primeira e arrancou de cabeça erguida.
Marido cinco estrelas não existe, a não ser que já esteja morto. Filho? Talvez, embora todos sejamos vagamente negligentes com nossas mães.
Eu havia sido um bom passageiro. Fiquei intrigado. Saquei o celular do bolso e fui conferir qual era o meu ranking.
4,70.
Como assim? Por que não cinco? O que havia feito de errado em corridas pretéritas? Que me lembre, jamais tive algum contencioso com motoristas do Uber. Como deve se comportar o passageiro ideal? Nunca pego balinha e tampouco aceito água. Isso tinha de contar a meu favor. Ou será uma grosseria não aceitar?
Verdade que nem sempre tenho disposição para conversas. Não por ser antissocial, é mais por preguiça mesmo. No entanto, às vezes, eu e o motorista travamos diálogos bastante amigáveis. Concordamos que o tempo está louco, reclamamos dos buracos das ruas de Porto Alegre, falamos mal dos políticos... Francamente, acho quatro vírgula setenta uma média muito baixa para um passageiro legal como sou.
Isso me deixou inquieto. E nas demais situações da vida, como sou avaliado? Sim, porque estamos sempre sendo avaliados, não se engane. Como seria se essa análise das cinco estrelinhas fosse usada em outras áreas?
Tenho cá para mim que sou um pai e um amigo muitíssimo bem cotado, mas, bem, também me achava um passageiro adorado pelos motoristas. A ideia de perder um pedaço de estrela nesses quesitos me incomoda. Vou me concentrar mais, para ganhar boas notas.
Nas demais áreas, serei sincero: tenho sérias dúvidas acerca do meu rendimento. Marido cinco estrelas não existe, a não ser que já esteja morto. Filho? Talvez, embora todos sejamos vagamente negligentes com nossas mães. Cozinheiro? Se o avaliador gostar de arroz de china pobre, estou feito.
Agora, pensemos no mais importante: as lides do amor. Falo dos tempos feéricos de solteiro, evidentemente. E imagino duas beldades comentando a meu respeito, enquanto passo com a sobrancelha esquerda levantada:
– Ali vai o amante cinco estrelas.
Oh, glória! Seria a consagração de uma existência de labores e sofrimentos!
Mas também poderia ser o contrário. Eu me achando grandes Áfricas e elas rindo à sorrelfa:
– Aquele ali só ganha estrela apagada…
Pensando bem, 4,70 nem é tão ruim assim.
O jogo com o Chico
Cada vez que o Chico Buarque vem a Porto Alegre, lembro-me daquela noite em que fomos convidados para jogar bola com ele, uns 10 anos atrás. Nosso time dominava o dele com facilidade, já tínhamos feito uns dois ou três gols, quando alguém da produção chegou perto da lateral e avisou:
– Não pode ganhar do time do Chico!
Como é que é? Que ideia era aquela? Nos insurgimos contra a arbitrariedade, reagimos, passamos até a atacar mais. Aí foi como se a 2ª Turma do STF entrasse em ação: eles tiraram o Professor Juninho do nosso time e o colocaram no do Chico. Alijados do nosso melhor atacante e revoltados com a injustiça, acabamos cedendo o empate e perdemos o jogo.
O Chico? Olhos nos olhos? Quero ver o que você faz?
O Chico nem nos olhou nos olhos, e nem fez coisa alguma. Terminada a partida, entrou em um carro que o esperava atrás do gol e se foi embora rapidamente, sem sequer tomar banho, achando-se grande meia-armador, quando, na verdade, ele tem bola para no máximo duas estrelinhas e meia.