A boa arte, em geral, nasce da dor. Tim Maia sofria. Carlos Imperial, não. Faço a comparação por ter terminado agora, tardiamente, a biografia de Imperial escrita por Denilson Monteiro, Dez, Nota Dez!, e por ter, bem antes disso, lido a biografia de Tim de autoria de Nelson Motta, Vale Tudo.
A qualidade dos livros não é muito diferente da dos artistas retratados. O texto de Motta é bem superior ao de Monteiro, mas o livro sobre Imperial também tem o seu valor. Está repleto de informações e de histórias de um tempo de luzes da música popular brasileira.
Tim Maia dizia que era preto, gordo e barulhento. Foi também pobre, antes de ficar quase rico, morou na Tijuca, foi preso nos Estados Unidos e se transformou na maior voz do Brasil.
Meu amigo, não se queixe da dor: faça algo bom com ela.
Carlos Imperial era branco, gordo e barulhento, pertencia à burguesia da zona sul do Rio, foi preso pela ditadura e não cantava nada.
Os dois, Tim e Imperial, viviam para a música e para as mulheres. Imperial com mais sucesso com as mulheres, Tim com mais sucesso com a música.
Certa época, Imperial se sentia o rei do Rio e Tim se sentia o bobo da corte. Imperial era o descobridor de talentos do Brasil. Havia lançado Roberto Carlos, prospectara Elis Regina e fez um cantor paraguaio chamado “Juanzito” tornar-se “Fábio” e atingir razoável fama na Jovem Guarda.
Tim Maia também mudara de nome por sugestão de Imperial: ele antes se chamava Tião, de "Sebastião".
Um dia, Fábio ouviu Tim cantar e se impressionou. Percebeu, na hora, o talento singular do gordo e foi falar com ele para cumprimentá-lo. Acabaram virando os melhores amigos. Tanto que, ao tomar conhecimento da situação financeira de Tim, que não tinha nem mesmo onde morar, convidou-o para se homiziar em seu apartamento, desde que aceitasse dormir no sofá. Tim aceitou, é claro.
Aquele sofá se converteu em uma espécie de camarote do qual Tim assistia às conquistas amorosas de Fábio. Todos os dias, Fábio aparecia com uma menina nova. Umas eram sereias douradas; outras, branquinhas de leite; ou mulatas da cor do pecado que faz tão bem. Tim olhava-as desfilando em direção ao quarto, depois ouvia os gemidos do amor e, quando elas saíam, quase uivava para a lua ao sentir o aroma exalado pela mulher que se empanturrou de prazer.
Um dia, Fábio viajou e Tim ficou sozinho no apartamento. Decidiu que, enquanto o amigo estivesse fora, iria dormir na cama dele. Foi o que fez. Solitário no quarto de Fábio, Tim passava horas admirando um pôster colado na parede, em que uma doce, nua e longilínea morena caminhava pela areia, tendo o mar azul do Atlântico como fundo. Tim suspirava fitando a foto e pensava que nunca teria nos braços uma mulher como aquela. Então, surgiu-lhe a ideia de uma música. E começou a escrever:
"Ah, se o mundo inteiro me pudesse ouvir… Tenho tanto pra contar, dizer que aprendi que na vida a gente tem que entender que um nasce pra sofrer, enquanto o outro ri".
Quando Fábio retornou, Tim mostrou-lhe a canção e o paraguaio exclamou:
– Você escreveu a música da sua vida!
Em seguida, os dois correram para mostrá-la a Imperial, que certamente ajudaria a promovê-la. Imperial gostou, mas achou que poderia ficar melhor se acrescentasse um verso de sua autoria:
"Olha como tudo está tão belo
Veja como tudo é tão lindo
Penso em você meu bem…".
Tim não concordou:
– Não, Imperial, aqui só entra violino.
Imperial não desistiu. Passou dias insistindo para Tim acrescentar o verso. Tim logo compreendeu a razão de tamanho assédio: Imperial queria a coautoria na composição, que, sabia, faria história na MPB. E fez. Tim fugiu de Imperial, gravou a música como queria e Azul da Cor do Mar foi uma consagração.
Imperial não possuía o talento de Tim, mas sabia reconhecê-lo. Talvez até soubesse que jamais conseguiria fazer o que Tim fazia, por uma razão: ele não sofria. Imperial tinha o que queria e, quando não tinha, pegava. Tim, não. Tim entendia que quem sofre sempre tem que procurar razão para viver.
Tim achou sua razão para viver no sofrimento. E foi grande. Maior do que Imperial, que não sofria.
Por isso, meu amigo, não se queixe da dor: faça algo bom com ela.