Um personagem de ficção talvez não desse conta de uma vida tão espetacular como a de Carlos Imperial (1935 - 1992). Difusor do rock no Brasil, descobridor de artistas como Roberto Carlos e Elis Regina, padrinho da Jovem Guarda, compositor e produtor musical, apresentador de TV, mulherengo, diretor e ator de pornochanchadas, carnavalesco (é dele o bordão "Dez, nota dez" na apuração das escolas de samba do Rio, onde foi o vereador mais votado em 1982). Entre as múltiplas atividades que exerceu, Imperial se impôs com seu inquestionável talento e sua persona exuberante e beligerante.
Neste 2015 em que completaria 80 anos, Imperial volta a ser assunto em filmes, musical e livro. São justos tributos à figuraça que, desde sua morte, em decorrência de complicações originadas de uma lipoaspiração, ocupa espaço em biografias alheias.
Nascido em Cachoeiro do Itapemirim (ES), como Roberto Carlos, Imperial mudou-se ainda criança para o Rio por conta do trabalho do pai, um executivo do setor financeiro. Apaixonado por música, dono de um conhecimento enciclopédico sobre os mais diferentes gêneros, o rapaz rico e desinibido que flanava por Copacabana começou a circular pelos bastidores da televisão e do rádio, onde descobriu sua vocação para farejar cantores e músicos promissores.
Imperial movia montanhas para iluminar protegidos e destruir desafetos. Um sujeito como ele, em tempos regrados pelo politicamente correto, viveria no centro do furacão das redes sociais. Teve seu auge em uma era de excessos que, para o bem e para o mal, faziam o Brasil ferver.
Tempo de rock
Carlos Imperial se apaixonou pelo rock'n'roll quando viu o filme Sementes da Violência (1955) e ouviu Bill Haley e seus Cometas cantando o seminal hino Rock Around the Clock. Logo tratou de fazer, na zona sul carioca, um enclave do novo ritmo. A vida de playboy aristocrático - seu sobrenome vem de um título que o bisavô ganhou de Dom Pedro II - e os bons contatos ajudaram Imperial a popularizar suas festas. Quando a televisão, o cinema e o rádio entraram na onda do novo ritmo para atrair os jovens, foram procurar Imperial e sua turma. Em torno dele orbitavam garotos como Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Wilson Simonal, Jorge Ben e outros que, roqueiros ou não, viam em Imperial o guia para gravar o sonhado disco.
Formando o Rei
Entre os aspirantes a ídolo que despontavam no Clube do Rock de Imperial, Roberto Carlos lhe parecia o mais promissor. Por conta da algazarra dos jovens, do pânico dos pais e da pressão das autoridades, os roqueiros perderam seus espaços no Rio. Roberto foi ganhar a vida cantando em boates e entrou na onda da Bossa Nova. Enquanto muitos viam o rapaz como um imitador de João Gilberto, Imperial, chamado de "pai" pelo futuro Rei, conseguiu que ele gravasse um compacto em 1959. Dois anos depois, o mestre acionou um contato na gravadora Columbia e garantiu ao pupilo o primeiro LP, Louco por Você. Fracasso de vendas, o disco é renegado por Roberto, que voltou ao rock no disco seguinte, Splish Splash (1963), dando início a seu reinado.
O broto Elis
Carlos Imperial era requisitado por gravadoras que buscavam seu aval para novos artistas. Como descreve a biografia Dez, Nota Dez! - Eu Sou Carlos Imperial, de Denilson Monteiro, que acaba de ganhar reedição, o diretor da Continental, em 1961, pediu para Imperial ouvir uma fita enviada de Porto Alegre pelo compositor Eleu Salvador. O que chamou sua atenção foi a voz que interpretava as canções. Insistiu para a cantora ser chamada para um teste. Em março de 1961, Elis Regina chegava ao Rio com seu pai. Ao lançar o LP Viva a Brotolândia, Imperial quis fazer de Elis uma nova Cely Campello, com um repertório pop que desagradou à gaúcha. Elis renegava esse começo de carreira e, como Roberto, daria logo depois seu grande salto para o estrelato.
Rei da polêmica
"Se você quiser chamar atenção, comece a falar mal da pessoa que estiver em maior evidência no momento". Esta máxima de Carlos Imperial foi cumprida à risca por ele em sua trajetória de polêmicas. Foi mestre na arte de inventar lorotas, como seus encontros com John Lennon e Elvis Presley e a gravação que os Beatles fizeram para Asa Branca. Muitas das brigas ruidosas que protagonizou na imprensa foram armações para promover a si e seus artistas, como a que travou com o comunicador Chacrinha, eleito por ele "o inimigo da juventude". Era comum Imperial creditar apenas a si parcerias musicais - e ainda teve a cara de pau de assinar canções de domínio público como suas.
A cenoura
A mais ruidosa polêmica lançada por Imperial nunca foi admitida - nem desmentida - por ele. Em 1974, ele filmou com o ator Mario Gomes uma pornochanchada que foi engavetada. Em 1977, com Gomes famoso nas novelas da Globo, Imperial lançou O Sexo das Bonecas, sob ameaça de processo do galã. Em represália, pediu para um assistente (entrevistado no documentário Eu Sou Carlos Imperial, ainda inédito nos cinemas) levar ao jornal Luta Democrática um texto descrevendo a entrada de Gomes em um hospital "entalado com uma cenoura em local absolutamente invisível". Gomes tinha um caso com a atriz Beth Faria, e o ex-marido dela, Daniel Filho, foi suspeito da maldade. Mas quem conhecia o estilo e a fúria de Imperial reconheceu sua assinatura.
O libertino
Imperial consagrou-se também como compositor - é autor de hits como O Carango, Vem Quente que Eu Estou Fervendo e Nem Vem que Não Tem, gravados por nomes como Erasmo Carlos e Wilson Simonal. Fez fama na TV como apresentador e jurado mal-humorado. Uma de suas facetas emblemáticas foi a do mulherengo devasso, que vivia cercado por jovens beldades (a quem chamava de "lebres"). Foi a imagem que levou ao cinema, em longas como Banana Mecânica (1974) e O Sexomaníaco (1976). Ele está de volta ao cinema como personagem. O documentário Eu Sou Carlos Imperial, baseado no livro de Monteiro, foi elogiado no recente festival É Tudo Verdade. A biografia está sendo adaptada por Monteiro para um longa de ficção, em captação de recursos - o autor também está envolvido em um espetáculo musical, que deve estrear ainda neste ano.
Ouça seis sucessos de Carlos Imperial em diferentes versões
1) O Bom, com Eduardo Araújo
2) O Carango (parceria com Nonato Buzar), com Erasmo Carlos
O Carango, com Wilson Simonal
3) Vem Quente que eu Estou Fervendo, com Eduardo Araújo
Vem Quente que Eu Estou Fervendo, com Erasmo Carlos
4) A Praça, com Ronnie Von, em disco e ao vivo
5) Mamãe Passou Açúcar em Mim, com Wilson Simonal
6) Nem Vem que não Tem, com Wilson Simonal