Quando o Peninha avisou que vinha me visitar, meu primeiro pensamento foi: tenho de levá-lo ao Templo de Jim.
Você conhece os personagens. Peninha é Eduardo Bueno, o multi-homem: historiador, jornalista, escritor, polemista e, mais do que tudo, gremista profissional. Jim é o meu vizinho que faz churrasco na varanda durante TODOS os dias não frios do ano.
Há algo em comum entre eles: ambos são devotos de Bob Dylan. E o Templo de Jim é, exatamente, uma espécie de lugar de veneração a Dylan – falo do apartamento dele, que tem as paredes inteiramente cobertas com fotos de Dylan, e apenas com fotos de Dylan, sem espaço nem para a mãe dele, nem para amigos, nem para amores.
De onde vem esse poder da música, que transforma homens maduros e cheios de responsabilidades em meninos cheios de encantamento?
Ocorre que os americanos são difíceis com qualquer questão que envolva sua privacidade. Como poderia fazer com que o Peninha entrasse no apartamento em que Jim vive sozinho como um eremita? Fiquei pensando nisso, até que o Peninha chegou. Jim estava lá, fazendo seu churrasquinho americano, e tinha convidados. Levei o Peninha até a frente da varanda, apresentei-o, mas Jim não nos deu muita importância. Trocou umas frases rápidas, disse que tinha de ir para a churrasqueira e se foi.
Fiquei meio decepcionado, mas, bem, americanos são assim. Depois daquele dia, o Peninha saiu da cidade, rodou uma semana pela Nova Inglaterra, desceu até as franjas da Big Apple e voltou. Combinamos de ele vir jantar aqui em casa. No dia em que ele chegaria, sábado, estava saindo de casa quando ouvi um grito: era Jim, que me chamava. Fui até lá e ele disse que estava desconsolado, porque havia sido rude quando apresentei-lhe meu amigo.
– Eu tinha visitas – desculpou-se.
Então, contei que o Peninha voltaria naquela noite.
– Traga-o aqui às sete e meia – pediu Jim.
Foi o que fiz. E foi um momento histórico. Lamentavelmente, não filmei o encontro. O Peninha quase caiu de joelhos quando entrou no apartamento de Jim e se viu cercado de Bobs Dylans por todos os lados. Era Dylan aos 19 anos, Dylan maduro, Dylan setentão. Os dois começaram a conversar sobre... Bob Dylan. Peninha foi a 71 shows; Jim a mais de 300. Mas o Peninha conhece pessoalmente o Bob Dylan, e isso o tornou especial para Jim.
Eles ficaram falando e falando. Então, o Peninha foi contar uma história e, para representá-la, disse para Jim:
– Imagina que eu estou aqui e você, aí, é o Bob Dylan...
Jim levou a mão ao peito:
– Eu? Bob Dylan?
O Peninha tentou prosseguir com a história, mas Jim balbuciava:
– Eu?... Bob Dylan?...
Estava brincando, claro, mas também estava emocionado com a ideia. Tanto que, depois de terminada a história, quando eu já estava com a mão na maçaneta da porta para irmos embora, ele pediu:
– Não vão ainda. Tenho algo para mostrar.
E pediu que o seguíssemos para o fundo do apartamento. Meu Deus!, pensei. Jim, um americano típico, que quer tornar inviolável sua privacidade, que protege o seu espaço como se fosse um Geromel, o Jim vai nos levar para as entranhas do seu apartamento! Aquilo era único. Me deu até medo.
Entramos pelo corredor escuro, enquanto Jim avisava:
– Olhem só para o lado direito.
Obedeci. Era o banheiro. Que tinha o box do chuveiro guarnecido por uma cortina decorada com uma imensa foto de... Bob Dylan.
O Peninha:
– Oooooh... eu quero isso!
O Jim, orgulhoso:
– Tomo banho olhando para Bob.
O Peninha:
– Mas também faz outras coisas olhando para Bob.
– Não – disse o Jim. – Essas coisas eu faço olhando para a parede.
Rimos, todos.
Saímos, por fim, e fomos jantar. No resto da noite, fiquei me perguntando: de onde vem esse poder da música, que transforma homens maduros e cheios de responsabilidades em meninos cheios de encantamento? Pensando em Dylan, concluí: a resposta, meu amigo, está soprando ao vento.