Veja como sou um cara humilde: tenho um dáblio aqui comigo e nem uso.
Você sabe do que falo. Da letra W.
A palavra "dáblio" vem do inglês, "double u". Ou: duplo "u". O curioso é que, em português, outra palavra para designar a mesma letra é doble-vê. Ou dobrevê. Quer dizer: em inglês, eles dobram o U e, em português, dobramos o V.
O povo brasileiro anseia pela repressão. O povo brasileiro bota alegremente o pescoço na canga.
De qualquer maneira, prefiro dizer dáblio. Mais chique. E tenho um, como já disse, e ele está engastado bem no começo do meu sobrenome materno: Wagener. A propósito, não ouse pronunciar "vajener". É errado. Esse é um nome de origem alemã. Lembra de Volkswagen? Pois é. Você diz "vaguem", não "vajem". Então: "vaguener".
Quando cobri a Copa da Alemanha, em 2006, fiquei em uma bucólica cidadezinha perto de Colônia chamada Bergish Gladbach. Num sábado de folga da Seleção, estava passeando pelas ruas do lugar quando deparei com uma placa de bronze que homenageava um antigo prefeito de lá. O homem se chamava, exatamente, Wagener. Peguei pelo braço a Fernandinha Zaffari, que estava na nossa equipe, levei-a para a frente da placa e mostrei:
– Olha ali: um prefeito! Tenho nome de um prefeito!
Não é qualquer um que tem dáblio no nome. Não, senhor. Eu tenho, mas não me exibo. Humildade é isso, caro leitor. Hu-mil-da-de.
É essa humildade que faz com que admita minha suprema ignorância e peça ajuda a você para responder a uma pergunta.
A seguinte:
Como é que pode um povo reivindicar a ditadura, como tem pleiteado um pedaço robusto do povo brasileiro?
Trata-se, talvez, de um caso único na história da humanidade. Os povos, em geral, pelo que lutam? Pense nos grandes heróis: Boadicea, William Wallace, Espártaco, Gandhi, Mandela, Emiliano Zapata e centenas de outros gigantes. Todos eles se batiam pela liberdade.
"Liberdade, Igualdade e Fraternidade", exigiam os franceses, enquanto os americanos dizem viver na "terra dos livres, lar dos bravos", e mesmo Tiradentes queria "liberdade, ainda que tardia". Mas o povo brasileiro anseia pela repressão. O povo brasileiro bota alegremente o pescoço na canga. As pessoas se ajoelham diante dos quartéis e clamam pela intervenção militar. E não é a primeira vez! Em 1964, o marechal Castelo Branco disse, acerca dos civis que pregavam o golpe:
"Eu os identifico a todos. São, muitos deles, os mesmos que, desde 1930, como vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques bulir com os granadeiros e provocar extravagâncias ao Poder Militar".
Que frase bem construída. Que veia literária, a do marechal. Castelo Branco pode ter sido um ditador, mas burro não era.
O Brasil é o país das vivandeiras, palavra que seria perfeita se fosse escrita com dáblio. Porque combinaria com elas, com as vivandeiras. Afinal, o dáblio nunca funcionou bem no Brasil. Caiu em desuso, é velho, é chamado até de exótico. Exatamente como a ditadura. Abaixo a ditadura. Abaixo o dáblio. A não ser que seja em nomes bonitos, como este meu. Mas, bem, você sabe, sou muito modesto para andar com um dáblio por aí.