Para o presidente da Movimento de Justiça e Direitos Humanos, Jair Krischke, o documento da CIA (agência de inteligência dos EUA) que atribui ao presidente Ernesto Geisel autorização para execuções de opositores do regime militar, a partir de 1º de abril de 1974, comprova que não houve a chamada "ditabranda" ou uma "ditadura light".
— Finalmente, um documento realmente isento, que não é nem da esquerda nem direita brasileira, é de um órgão de inteligência dos Estados Unidos que diz o que sempre dissemos. No Brasil, não houve ditabranda coisa nenhuma. Ela foi duríssima, uma das mais duras do Cone Sul, só que muito seletiva — afirma o ativista, referência mundial em direitos humanos.
Relatório da Comissão Nacional da Verdade, que reuniu 4.328 páginas em três volumes, resultado de levantamento feito durante dois anos e meio por pesquisadores e representantes de direitos humanos, constatou que 401 pessoas foram mortas ou desapareceram nos 21 anos de ditadura (1964-1985). O auge foi durante o governo de Emílio Médici (1969-1974). O documento da CIA fala de execuções autorizadas por Geisel, sucessor de Médici. A novidade é que, pela primeira vez, se fala em autorização para execuções dada pessoalmente pelo presidente conhecido como mentor da abertura política "lenta, gradual e irrestrita" no Brasil. Para Krischke, o memorando destrói a imagem do Geisel como um "ditador light":
— Geisel foi o cara que começou o processo de transição. Isso é verdade. Mas também é verdade que o aparelho repressivo seguia funcionando como sempre funcionou. Mostra que ele estava fazendo uma transição, mas se tivesse de matar, matava. Não é incoerência. Porque ele (Geisel) era um golpista de sempre.
Dois dos episódios mais emblemáticos da ditadura ocorreram justamente após a data da reunião entre Geisel e militares, documentada no memorando da CIA: a prisão e morte do jornalista e Vladimir Herzog nos porões do DOI-Codi, em outubro de 1975, e a chacina da Lapa, em 16 de dezembro de 1976, quando três dirigentes do Comitê Central do PCdoB foram eliminados no bairro paulista.
— Médici eliminou a luta armada. Geisel eliminou, de forma seletiva, civis desarmados. Herzog era perigoso porque tinha o noticiário da TV na mão (era diretor de telejornalismo da TV Cultura) e um cara crítico. Não portava um canivete sequer. Era um sujeito perigoso do ponto de vista intelectual — afirma Krischke.
A autorização de Geisel para dar continuidade às operações de extermínio de radicais de esquerda já era conhecida de especialistas e é citada na obra de cinco volumes chamada Ditadura, escrita pelo jornalista Elio Gaspari. O documento fortalece o relato dos livros ao contar que Geisel não apenas sabia das execuções, mas também queria que essas passassem pelo Planalto.
— Quem vazou? Alguém que participou da reunião daqueles generais passou a informação para o agente da CIA (que escreveu o memorando). E isso não é absolutamente novidade. Vários oficiais brasileiros trabalharam para a CIA — explica o especialista.