Um registro da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA) joga luzes sobre um dos momentos mais conturbados da política brasileira. Mais de 30 anos após o fim da ditadura no país, vem à tona um documento de 1974, assinado pelo então diretor da agência, William Egan Colby, em que ele sugere que o ex-presidente Ernesto Geisel (1974-1979) tinha conhecimento e autorizou assassinatos políticos durante o regime.
No documento, de 11 de abril daquele ano, Colby descreve encontro entre Geisel e os generais Milton Tavares de Souza e Confúcio Danton de Paula Avelino — ambos ocuparam a chefia do Centro de Inteligência do Exército (CIE). Também teria participado da reunião o então chefe do Serviço Nacional de Inteligência (SNI) João Baptista Figueiredo, que viria suceder a Geisel na Presidência da República, cinco anos depois.
O ex-diretor da CIA afirma que, em certo momento do encontro entre os oficiais, realizado em 30 de março de 1974, o general Tavares informou que 104 pessoas consideradas inimigas do governo foram sumariamente executadas pelo CIE provavelmente no ano anterior, durante o governo de Emílio Garrastazu Médici. No memorando, é citado que "Figueiredo apoiou essa política e insistiu em sua continuidade".
"O General Milton, que fez a maior parte da conversa, delineou o trabalho da CIE contra o alvo subversivo interno durante a administração do ex-presidente Emilio Garrastazu Médici . Ele enfatizou que o Brasil não pode ignorar a ameaça subversiva e terrorista, e disse que métodos extra-legais devem continuar a ser empregados contra subversivos perigosos", relatou Colby
No memorando, o agente da inteligência norte-americana afirma que Geisel pediu um tempo para pensar sobre o assunto durante o fim de semana. Dias após a reunião, o então presidente concordou em continuar com as ações contra os adversários políticos.
"O presidente, que comentou sobre a gravidade e os aspectos potencialmente prejudiciais desta política, disse que queria refletir sobre o assunto durante o fim de semana antes de chegar a qualquer decisão sobre se ele deve continuar. Em 1º de abril, o presidente Geisel disse ao general Figueiredo que a política deveria continuar, mas que muito cuidado deveria ser tomado para assegurar que apenas subversivos perigosos fossem executados", afirma o então diretor da CIA.
Também teria ficado acordado que a execução de presos políticos deveria ser autorizada previamente por Figueiredo:
“Quando o CIE prender uma pessoa que possa se enquadrar nessa categoria, o chefe da CIE consultará o general Figueiredo, cuja aprovação deve ser dada antes que a pessoa seja executada. O Presidente e o General Figueiredo também concordaram que a CIE deve dedicar quase todo o seu esforço à subversão interna, e que o esforço geral da CIE será coordenado pelo General Figueiredo”.
Documento secreto
O documento da CIA está no acervo histórico do Departamento de Estado dos Estados Unidos e foi localizado pelo pesquisador de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV) Matias Spektor, segundo o jornal O Globo.
O memorando era secreto, mas foi tornado público em 2015 pelo governo norte-americano. Em sua página no Facebook, Spektor afirma que esse "é o documento secreto mais perturbador que já li em vinte anos de pesquisa":
"De tudo o que já vi, é a evidência mais direta do envolvimento da cúpula do regime (Médici, Geisel e Figueiredo) com a política de assassinatos. Colegas que sabem mais do que eu sobre o tema, é isso? E a pergunta que fica: quem era o informante da CIA?", escreve.