Antes, durante e depois do golpe militar no Brasil, a agência americana CIA acompanhou de perto as agitações políticas, as movimentações dos oficiais no Brasil e a tentativa de resistência arquitetada pelo governador Leonel Brizola no Rio Grande do Sul na Campanha da Legalidade, por meio de relatos enviados pela embaixada e consulados a Langley, na Virgínia, onde fica a sede da inteligência dos Estados Unidos.
Chama a atenção a atualização dos relatos, praticamente em tempo real, em uma época em que não havia internet ou redes sociais. Em documento de 31 de agosto de 1961, com o ex-presidente Janio Quadros a caminho da Europa após renunciar, funcionários americanos relatam a seus superiores a sessão conjunta do Congresso que permitira a posse do vice João Goulart, com as restrições de um sistema parlamentarista. No texto, o regime a ser implantado no Brasil é comparado ao da Alemanha Ocidental, então, no contexto da Guerra Fria, exemplo de antagonismo à porção comunista da nação dividida após a II Guerra Mundial, a Alemanha Oriental: "um manifesto dos chefes das forças armadas em 30 de agosto declarou oposição ao retorno de Goulart na situação atual. No entanto, o ministro da Guerra Denys (Odílio Denys) relatou ao ex-presidente Kubitschek (Juscelino) que os militares aceitariam a forma de governo parlamentarista (equivalente ao) da Alemanha Ocidental".
Leia a reportagem especial:
RS na mira da CIA: Brizola e Erico Verissimo eram monitorados pelos EUA
CIA aponta que Brizola teria planejado ataque em Punta del Este
Erico Verissimo e Josué Guimarães, escritores citados em documentos da CIA
CIA identificou sinais de novo golpe militar no Brasil em 1988
Por que a rua Voluntários da Pátria era monitorada pela CIA
No boletim, os espiões denotam expectativa de uma declaração de Jânio: "ao embarcar para a Europa, o ex-presidente Jânio Quadros afirmou que foi forçado a renunciar, mas não esclareceu quem ou quais forças eram responsáveis. O ministro da Justiça acredita que Quadros possa em breve divulgar uma declaração que ligue os Estados Unidos às forças externas às quais atribui sua renúncia". O consulado americano em São Paulo, diz o texto, acrescenta que a declaração de Jânio seria uma tentativa de "encontrar um bode expiatório".
Quando o documento é enviado à CIA, João Goulart está a caminho do Brasil, de volta da China. O relatório prevê o desembarque em Buenos Aires, Argentina, para aquela noite e aposta que ele buscará proteção em território gaúcho: "sua presença em Buenos Aires ou Montevidéu tornaria conveniente ir para o Rio Grande do Sul, governado por seu cunhado Leonel Brizola".
Clique na imagem para ler a íntegra do documento da CIA
A resistência no Estado é acompanhada com atenção. Os espiões relatam que Brizola tem apoio do Terceiro Exército, da imprensa e de rádios locais: "O Terceiro Exército, com sede em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, teria ordens para prender o comandante nomeado por Denys para suceder ao general Machado Lopes (então comandante das tropas no Sul do Brasil). Brizola também pediu uma 'mobilização geral' e alertou os cidadãos para estarem prontos para servir a Machado", reporta o documento.
A rede da Legalidade garantiu a posse de Jango, que não resistiria, três anos depois, a nova investida militar. No dia seguinte ao golpe, em 2 de abril de 1964, um "boletim de inteligência" enviado aos EUA teve título triunfante sobre o Brasil: "As forças anti-Goulart parecem ter ganho uma vitória quase total". Há longos trechos de textos apagados, por conter informações que, mesmo mais de 50 anos depois, o Departamento de Estado e a própria CIA consideram de "segurança nacional".
O documento segue narrando a partida de Jango para o exílio: "(TRECHO APAGADO) Goulart está se preparando para deixar o país a partir de seu Estado natal Rio Grande do Sul, onde procurou refúgio na noite passada. Apesar de se recusar a renunciar, Goulart claramente perdeu o controle efetivo". O boletim, com um grande mapa do Brasil, localiza os comandos militares, e destaca que "as forças rebeldes foram conduzidas pelo General Kruel, Castello Branco e Mourão em 1º de abril, após três de quatro comandos Exércitos declararem o movimento de derrubada (do governo)" .
O boletim destaca a ampla adesão à deposição de Jango e o protagonismo de Carlos Lacerda, expoente da oposição: "Eles (os oficiais) foram acompanhados por pelo menos oito governadores estaduais: Lacerda, da Guanabara, denominou a revolta como a mais importante derrota que os comunistas sofreram na América Latina", afirma o documento, que alerta: "integrantes do Terceiro Exército no Rio Grande do Sul, aparentemente unidos por Leonel Brizola, extremista de esquerda e cunhado de Goulart, podem estar fazendo uma última resistência".
O presidente da Câmara dos Deputados, o paulista Ranieri Mazzilli, "um social-democrata moderado" na linguagem da CIA, assume o governo: "Ele governará por 30 dias, período durante o qual o Legislativo elegerá um sucessor para preencher o restante do mandato de Goulart – até janeiro de 1966". A previsão americana não se confirma. Em 11 de abril de 1964, há uma eleição indireta para presidente. Quatro dias depois, Ranieri entrega o cargo ao marechal Humberto Castelo Branco.
Dez meses depois, um relatório da CIA, em tom otimista, avalia o governo militar brasileiro: "o presidente Castello (sic) Branco continua a exercer uma liderança moderada e efetiva e a avançar gradualmente para restaurar a estabilidade econômica", diz o boletim, de 5 de fevereiro de 1965.
Veja a íntegra de alguns documentos:
– CIA cita Erico Verissimo em documento intitulado The control of intellectuals in the communist state
– Documento sobre tendências na política, militar e na economia brasileira cita Josué Guimarães
– CIA analisa chances novo golpe militar no Brasil na década de 1980
– CIA monitora expropriações de empresas estrangeiras no governo de Brizola
– CIA analisa eleições para governador no Brasil, incluindo o RS
– Artigo trata de Brizola e do PDT
– Documento fala sobre Brizola aceitar convite para ver experiência da Argélia
– CIA trata de Brizola e da Petrobras
– Documento aponta que Cuba ofereceu apoio a Brizola
– Documento trata de deputados comunistas do RS
– Análise das eleições pós-ditadura
– Documento fala de encontro entre Jango e embaixador
– CIA chama local em Porto Alegre de "Fábrica de voluntários"
– Documento fala de guerrilha no Uruguai
– CIA fala que ataques no Uruguai ocorreriam sob ordem de Brizola
– Relatos tratam do Brasil pós-golpe de 1964
– Documento fala sobre situação do Uruguai e fala sobre planos de Brizola
– Documento trata da renúncia de Jânio
– Jornal Tribuna Gaúcha é monitorado pela CIA