Zero hora publicou no fim de semana passado uma reportagem especial que mostrou como a CIA (agência de inteligência americana) monitorou políticos e escritores gaúchos, como Erico Verissimo e Josué Guimarães, artistas, jornais, como a Tribuna Gaúcha, e até uma fábrica na Rua Voluntários da Pátria, em Porto Alegre, suspeita de servir como local para reuniões de “comunistas”. Em nível nacional, além de estar preocupada com o processo de redemocratização e a possível eleição de Leonel Brizola, em 1989, uma das revelações mais surpreendentes foi de que os EUA viam sinais de um novo golpe militar em gestação no Brasil.
Detalhes até agora obscuros da história brasileira – e de muitas outras nações – repousam em arquivos bem guardados em Washington. De tempos em tempos, milhares de documentos são liberados. Não sem antes serem submetidos às lupas de analistas que rasuram nomes de informantes e agentes e cobrem frases inteiras (ou páginas) com informações que possam colocar em risco a segurança nacional. Nos papéis da CIA revelados por ZH há vários trechos censurados. Aliás, o termo “segurança nacional” é usado por muitos governos para justificar a não liberação de documentos com dados que possam constrangê-los. A Rússia, por exemplo, não “desclassifica”, como é chamado no jargão de inteligência, documentos outrora sigilosos. Nenhum papel. Tudo é assunto de “segurança nacional”.
No caso americano, é diferente. Em 1995, o então presidente Bill Clinton ordenou que documentos com mais de 25 anos não poderiam mais ser mantidos sob sigilo. São disponibilizados pelo Office of the Historian.
Mas isso pode mudar. Entre pesquisadores de história diplomática dos Estados Unidos, há uma preocupação de que o governo Donald Trump restrinja o acesso aos arquivos da CIA e diminua a influência do Office of the Historian. Nos dias finais da presidência de Barack Obama, a abertura de arquivos da agência americana foi interpretada pela comunidade acadêmica como uma indireta a Trump. Um pesquisador brasileiro, acostumado a perscrutar arquivos desclassificados em Washington, comenta: “Ainda que tenha se envolvido em várias polêmicas (como com Edward Snowden), Obama ajudou muito na divulgação desses arquivos e reduziu brutalmente o tempo de burocracia que envolvia a entrega de arquivos secretos. Baixou de uma média de 60 para 24 meses”.
Na visão de especialistas, o governo Trump teme a liberação iminente de documentos da era Ronald Reagan. Muitos funcionários da atual administração trabalharam na década de 1980 e se envolveram em escândalos como Irã-Contras, além de intervenções militares na Nicarágua e na Guatemala. Entre nomes polêmicos estaria o de Roger Stone, estrategista da campanha republicana à Casa Branca, no ano passado. A outra preocupação diz respeito a desconfiança com relação ao viés ideológico da Academia. O governo acredita que a maioria dos pesquisadores de grandes centros universitários é composta por liberais democratas, que poderiam criar controvérsias “desnecessárias” com a Rússia, resgatando feridas abertas na Guerra Fria.O Office of the Historian é controlado pelo Departamento de Estado, e os arquivos da CIA dependem da boa vontade do diretor-geral de inteligência para liberação.