Quem defende que a justiça seja esgarçada até o ponto em que ricos e poderosos se tornem inimputáveis? Quem defende o vale-tudo para os que têm dinheiro?
Obviamente, os próprios bandidos ricos e poderosos. Ou seus cúmplices. Ou seus puxa-sacos.
Não me venham com essa história de que a Constituição exige que todas as instâncias sejam percorridas para que a pena comece a ser cumprida. Não exige, e o provaram com contundência de ferro vários ministros que julgaram o habeas corpus de Lula, nesta quarta-feira (4), no STF.
O voto de Luís Roberto Barroso, aliás, deveria ser transcrito, virar livro e ser distribuído nas faculdades de ciências humanas. Que clareza. Que análise precisa do que é o Brasil. E, antes dele, o pronunciamento de Alexandre de Moraes foi firme de pedra. Quando questionado pelo advogado de Lula, ele respondeu como se desse um tapa:
– Talvez o advogado não estivesse prestando atenção no voto, porque estava conversando.
Mas aí veio Rosa Weber. Nervosa, quase trêmula, Rosa Weber foi o anti-Barroso: ao invés de clara, obscura; ao invés de precisa, tortuosa. Nos primeiros minutos de seu voto, parecia que se estava assistindo a um discurso de Odorico Paraguaçu. Que língua era aquela?
Rosa Weber avançou penosamente em meio a um cipoal quase impenetrável de citações, de latinório, de juridiquês. Eu aqui, com meu minúsculo cérebro, tive de me esforçar para entender para onde ela estava indo. Primeiro, achei que ela iria aceitar o habeas corpus, depois comecei a suspeitar de que iria negar, mais um pouco e não sabia mais nada e foi me dando um nervoso, uma ânsia, até que, aos poucos, fui entendendo que ela queria aceitar, mas que iria negar. E foi o que aconteceu. Cristo!
Mas aconteceu algo estranho antes de ela conseguir terminar de falar: Marco Aurélio Mello e Lewandowski não se conformaram com a argumentação de Rosa Weber e puseram-se a contestá-la. Eles simplesmente não respeitaram o voto da colega!
Rosa Weber, muito polida, não partiu para o confronto. Preferiu repetir parte de seus argumentos. Foi Cármen Lúcia quem a defendeu, embora o tenha feito com certa candura. Lembrou aos dois enxeridos que era a vez de Rosa falar e mandou a sessão seguir em frente.
Não houve aí uma dose de machismo desses caras?
Depois de mais uma pausa para o cafezinho das Excelências, antes mesmo de Toffoli dizer coisas como "não há uma decisão certa e uma errada", começaram a chegar, via internet, fotos de Gilmar Mendes voando de primeira classe rumo a Portugal, cada vez mais distante das mazelas do Brasil, a 11 quilômetros de altura. Ele tem um curso de Direito em Lisboa, por isso falou rapidinho e saiu correndo para o aeroporto. Teve tempo, porém, de fazer uma espantosa acrobacia verbal: disse que era contra, mas que agora é a favor, criticou duramente o PT, mas votou molemente por Lula, reclamou do Jornal Nacional, gemeu que se sentia oprimido pela mídia e foi-se embora, para ser feliz no além-mar. O mais interessante foi a lógica que desenvolveu para justificar seu voto. Gilmar citou as centenas de milhares de pobres que estão presos sem nem terem sido julgados. E, em seguida, votou para que os ricos não sejam presos nem se forem condenados. Curioso. Mas, no caso dele, previsível.
Gilmar perdeu. Venceu o Brasil.