Seria muito bom se o julgamento que ocorrerá nesta quarta-feira (4) no Supremo decidisse apenas o futuro de Lula.
Seria perfeito.
Eu, aqui na minha insignificância de cidadão brasileiro, não festejaria sua prisão nem lamentaria sua libertação. Francamente, como diria aquele antepassado da doce Marina Rui Barbosa, "pouco se me dá que claudique a onagra, o que me apraz é acicatá-la".
Se você não entendeu o que pretendia dizer a velha Águia de Haia, ótimo. Era isso mesmo que ela queria. Na verdade, Rui Barbosa verteu para sua forma peculiar de se expressar o antigo ditado "pouco importa que a mula manque, o que eu quero é rosetar".
Era um galhofeiro, o bom Rui.
Pois, a mim, pouco se me dá o destino de Lula. Mas o que pode acontecer ao país, se ele for beneficiado com o habeas corpus, isso, sim, é grave. Porque abre um precedente. Lula pede para ser punido só depois da condenação em última instância e, se ele puder, todos poderão. Já há advogados que chamam essa possibilidade de "O princípio Lula".
Se você for pensar no mundo ideal, o princípio Lula não seria ruim. Afinal, uma nação que oferece inúmeras chances de recurso a um sentenciado é uma nação mais justa. É até óbvio: um réu que é condenado quatro vezes, por quatro tribunais diferentes, dificilmente será inocente. O percentual de cometimento de injustiças, nesta hipótese, é mínimo.
Mas esse é o mundo ideal, imaginado pelos sonhadores que escreveram a Constituição de 1988. Na prática, sobretudo na prática brasileira, esse elevado número de instâncias se transforma em garantia de impunidade para quem tem dinheiro. O réu apresenta recursos, embargos e apelações e vai estendendo a execução da pena até a prescrição do crime. Lógico que essa manobra só funciona para quem tem recursos para pagar advogados. Os pobres continuarão sendo atirados às masmorras sem maiores delongas – pobre não precisa de delonga.
Pense agora no Congresso Nacional. Cerca de metade daqueles deputados e senadores está implicada em alguma investigação, incluindo tipos como Aécio Neves e Renan Calheiros. Pense em Temer. Os amigos dele ou estão entrando, ou estão saindo da cadeia. Pense nos assassinos, nos estupradores, nos pedófilos e nos traficantes que atormentam o Brasil. Na quarta-feira, todos eles estarão torcendo e rezando para que Lula ganhe o habeas corpus. A liberdade de Lula equivale à liberdade de todos os bandidos com dinheiro do Brasil.
Há ainda outro fato que torna o dia 4 mais trágico: essa correção havia sido feita. O próprio STF já decidiu (duas vezes) a favor da prisão após a segunda instância. O Brasil havia avançado. E, devido à pressão dessa gente que citei acima, pode retroceder. Se o fizer, será bem para trás. Na direção das trevas.
A realidade é essa, digam o que quiserem os juristas, argumentem como bem entenderem os ministros togados. Eles não conseguirão disfarçar o que de fato vai acontecer com o Brasil, por mais latinório que usem, por mais que tergiversem, por mais que imitem o linguajar vetusto de Rui Barbosa. Aliás, se quiserem empregar alguma frase do velho, sugiro a seguinte:
"A justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta".