Por que os brasileiros confundem direitos humanos com defesa de bandidos?
Tenho lido artigos e reportagens sobre o tema. Quase todos consultam os chamados cientistas sociais, e quase todos erram rotundamente.
As pessoas não cometem esse erro porque são más, porque são preconceituosas, porque são elitistas ou porque são enganadas pela mídia.
As pessoas confundem direitos humanos com defesa de bandidos porque sentem medo. E porque identificaram, intuitivamente, uma das principais razões dos problemas do Brasil e de seu medo: a impunidade.
As pessoas sabem que a punição é educativa e que a impunidade incentiva a delinquência. Sua vida cotidiana lhes mostra isso. Quem algum dia já foi chefe de seção de alguma empresa, ou é pai ou mãe, ou simplesmente tem um cachorro sabe que censura e castigo são fundamentais no processo de educação. E sabe, também, que a falha na punição e a falta de critério são trágicas. Se você quer que as coisas não deem certo, não puna.
O Brasil não pune. O Brasil faz sofrer. A punição àquelas centenas de milhares de pessoas que estão encarceradas nos presídios brasileiros não funciona, exatamente, devido à falta de critério. Muitas delas nem julgadas foram e a maioria passa por privações desumanas. É como o pai que, em vez de dar castigo na medida certa, espanca o filho. A crueldade revolta quem é testemunha e traumatiza quem é vítima. O Brasil é cruel e, ao mesmo tempo, permissivo. É impiedoso e, ao mesmo tempo, leniente.
Quem tem dinheiro, no Brasil, escapa à punição. Seja o rico corrupto, seja o integrante da facção criminosa, seja o político influente. Basta poder pagar advogados. Já quem não tem dinheiro, e é punido, nada aprende com a punição, apenas revolta-se com ela, porque ela é injusta, ela é demasiada. Todos sabem disso. Assim, no Brasil, a punição deixa de cumprir um de seus papéis mais importantes, que é o de dar o exemplo.
No entanto, quando alguém diz que a punição ou a repressão são injustas e demasiadas, os brasileiros acham que aquela pessoa está criticando a punição e a repressão em si, e não a forma como a punição e a repressão estão sendo praticadas.
O medo desespera. E os brasileiros, desesperados com o medo que sentem, preferem que qualquer coisa seja feita, desde que seja feita alguma coisa. Ou seja: eles admitem a crueldade se não houver a impunidade. Estão errados, é claro: a crueldade só agrava o problema. Mas vá dizer isso a quem está encurralado.
Os brasileiros estão encurralados. Estão apavorados.
Então, surgiu a Lava-Jato, e foi um bálsamo. Pela primeira vez, em 500 anos de história, poderosos e endinheirados estavam sendo punidos. Quem sabe, agora, o Brasil se tornaria uma nação justa, com punição adequada e igualitária? Quem sabe, agora, a lei seria para todos, no Brasil.
Bem.
O STF prepara-se para livrar Lula da punição, no próximo dia 4. Lula, que já foi condenado por corrupção, e que será condenado outras vezes, é um símbolo. Porque era ele o líder do governo corrupto e é ele o político mais poderoso do Brasil. Se Lula se livrar, se o STF aplicar esse golpe na Justiça, a Lava-Jato estará sepultada e o recado estará dado. Um recado tão triste quanto cristalino: o Brasil continuará sendo a pátria da impunidade para ricos e poderosos. O Brasil continuará sendo uma nação permissiva e cruel.
A população continuará com medo. E o medo causa distorções, confunde e desespera. O STF vai abrir mais do que portas de cadeia se der o golpe no dia 4. Vai abrir as portas do inferno.