Qual é, afinal, o gargalo para que a biotecnologia seja um setor produtivo na economia brasileira? Helton Santiago, responsável clínico pelo CT Vacinas e pelo desenvolvimento da SpiNTec, a vacina brasileira para o SARS-CoV-2, conseguiu mapear os pontos críticos para que isso tenha sucesso no país. A SpiNTec entra para a história não apenas como a primeira vacina, mas como o primeiro insumo para uso clínico desenvolvido inteiramente no Brasil.
Você pode perguntar: mas os medicamentos genéricos não são nacionais? Desenvolvidos aqui? Pois saiba que nem a dipirona. O remédio mais vendido no país é feito da China ou na Índia e apenas envasado aqui. Se amanhã esses países interrompessem essa venda, você não conseguiria comprar uma aspirina genérica mais. Fim de jogo.
Como já contei nesta coluna, desenvolver significa criar do nada. Um cientista descobre ou inventa uma molécula e vai modificando e testando para determinar se ela tem um potencial terapêutico. Esse é um primeiro gargalo: temos poucos cientistas, com pouco suporte. E, mesmo assim, há descobertas históricas brasileiras, como o princípio ativo do captopril. Esta e outras drogas que surgiram para regular a pressão arterial são hoje importadas da China. Na Europa, Ásia e EUA, as indústrias fazem parcerias com os pesquisadores, que começam com fundos do governo. Os resultados desses estudos rendem a esses pesquisadores artigos no New England Journal of Medicine e na Nature.
Quando a SpiNTec foi desenhada e testada, na UFMG, durante a pandemia, centenas de outras vacinas mundo afora estavam no mesmo processo. As que receberam financiamento de indústrias de seus países para os estudos clínicos avançaram mais e viraram as que hoje conhecemos. A SpiNTec recebeu apoio da prefeitura de Belo Horizonte. Os recursos eram necessários para manufaturar a vacina em condições especiais para uso em humanos. Ninguém no Brasil faz essa manufatura – foi necessário transferir a tecnologia para isso ser feito nos EUA e, depois, trazido de volta. Lá, médicos e indústrias desenham estudos clínicos rotineiramente. Aqui, isso não é ensinado nem em Medicina nem em Farmácia – principalmente estudo clínico de vacina.
Helton foi treinado no National Institutes of Health exatamente nisso – e por sorte resolveu voltar ao Brasil. Finalmente, para analisar e aprovar esses estudos, a Anvisa está tendo que aprender coisas novas. Os técnicos da agência têm excelente conhecimento nos estudos de fase III, o último nível, que as indústrias farmacêuticas internacionais executam com frequência no Brasil, além de outros países. Nunca uma empresa farmacêutica brasileira havia jamais submetido um ensaio de fase I, o primeiro que se faz em humanos. Hoje a SpiNTec está quase finalizando a fase II.
Para ser uma vacina nacional, deve mostrar que é tão boa quanto as que já existem – algumas já em segunda ou terceira geração, tendo rendido US$ 30 bilhões a 40 bilhões em vendas anuais para as indústrias que as apoiaram. À primeira vista parecem muitos obstáculos, impossíveis de se transpor. Mas o gargalo, na verdade, é um só. Que cada um de nós – políticos, pesquisadores, gestores, capitalistas, cidadãos – acredite e entenda que isso é possível de ser feito no Brasil, e faça a sua parte.