Qual a diferença entre homens e mulheres? A resposta depende de quem responde. Você certamente está pensando numa resposta. Mas um geneticista provavelmente vai falar "o cromossomo Y". Nos últimos dias, finalmente, o DNA do cromossomo Y foi totalmente sequenciado. Esta é uma etapa importante do Projeto Genoma Humano — só faltava ele.
Desde a metade dos anos 1970, sequenciamos DNA. O Projeto Genoma foi criado em 1990 e anunciado como "completo" em 2003, resultado de experimentos em laboratórios nos EUA, Reino Unido, França, Alemanha, Japão e China. Hoje, 20 anos mais tarde, isso transformou completamente a área da saúde. Um genoma hoje pode ser sequenciado e lido em horas; os resultados geram matrizes gigantescas de dados que são processados e interpretados, fornecendo informações importantes não apenas para diagnóstico e tratamento. A expectativa é integrar esses dados a modelos matemáticos que consigam prever respostas a medicamentos, tratamentos e até mesmo comportamentos.
Por que, então, o Y foi deixado para o final? Ele é considerado por muitos um cromossomo peculiar; por alguns, visto mesmo como problemático. É o menor de todos os cromossomos, cerca de 2% do genoma, sendo cinco vezes menor do que seu "par", o cromossomo X; e tendo 10 vezes menos genes. Até agora, já se havia sequenciado uma porcentagem do Y, deixando lacunas _ então não se tinha um quadro completo. O que havia sido visto inicialmente era que basicamente ele era composto por sequências repetitivas de DNA — como se um livro tivesse uma frase repetida várias vezes. Era difícil interpretar e organizar isso. Se duas ou três frases são repetidas milhões de vezes, é fácil incorrer em um erro — qual repetição vem primeiro?
O que mudou recentemente foram as tecnologias de processamento dos dados. O uso de inteligência artificial revelou que existem padrões de repetição de sequências de DNA extremamente organizados no Y. Poderia ter sido algo caótico, mas não. Metade do Y é composta de duas sequências que se repetem de forma muito organizada. Na outra metade, genes importantes como os da produção de espermatozoides possuem uma série de sequências invertidas repetidas — os palíndromos. Tais sequências tendem a gerar alças de DNA que muitas vezes são cortadas — e sabe-se que isso pode causar problemas de infertilidade. Outras sequências repetidas, também envolvidas na produção de espermatozoides, mostraram-se extremamente variáveis entre indivíduos.
Essas e outras informações completam agora o grande atlas do genoma humano. O trabalho daqui para a frente é interpretar esses imensos textos, entendendo cada vez mais o quanto somos iguais e, ao mesmo tempo, diferentes. Como nos livros, o fim de um capítulo traz muitas oportunidades de fazer um balanço do que foi lido. E ao mesmo tempo a oportunidade preciosa de iniciar algo novo.