Don Francis contou há alguns anos, em Porto Alegre, que, quando realizou a primeira autópsia em uma vítima do vírus que viria a ser batizado com o nome de um rio, em uma aldeia africana dizimada por uma epidemia, ele sabia que corria risco de vida. Enviado sozinho pela Organização Mundial da Saúde (OMS) ao Congo nos anos 1970, na chuva, usando um traje de risco biológico que lembra os de astronautas, dissecava o corpo cercado de outros, sabendo que o menor erro podia ser fatal.
Por décadas, o vírus causou morte e terror não apenas na África, mas em outros pontos onde chegou carregado por hospedeiros mais resistentes. Quem contrai ebola desenvolve febre, disenteria, vômito e hemorragia, evoluindo para a morte. Desde então, a busca por vacinas e tratamento tem sido intensa; doenças como essa prejudicam profundamente a economia de uma região e afastam parcerias por medo de contágio.
No fim de novembro, foi licenciada a primeira vacina para o ebola, conhecida pela comunidade científica como rVSV-ZEBOV-GP. Ela usa o vírus Vaccinia, para o qual humanos têm imunidade, para gerar resposta contra um tipo de ebola comum no Zaire. Ela só foi manufaturada pela Merck, com o nome de Ervebo, quando a GAVI Vaccine Alliance, organização que distribui vacinas no terceiro mundo, comprometeu-se a comprar a produção da empresa que aprovasse a vacina junto a órgãos reguladores.
Uma segunda vacina fabricada pela Johnson&Johnson logo chega ao mercado, para outros tipos de Ebola, complementando a proteção. Enquanto a da Merck foi testada durante epidemias, a da Johnson está sendo testada agora. Será usada a vacinação em anel, buscando vacinar pessoas e profissionais com alta chance de contato com o vírus, criando barreiras que protegem os vacinados. Todos ganham assim: público, empresas, governos de países afetados e a própria filantrópica, cujo sucesso atrai mais doações.
Vacinas têm impactos econômicos fundamentais. Salvam milhões de vidas anualmente. O controle e/ou erradicação do Ebola ajuda a trazer de volta o turismo e as demais parcerias comerciais. Fora a economia social: um estudo da Johns Hopkins calculou que para cada US$ 1 investido em vacinas, US$ 14 são economizados em cuidados hospitalares. No caso de vírus mortais, o número chega a US$ 44.
Don Francis sobreviveu à varíola – que ajudou a erradicar vacinando os últimos bolsões do vírus na Índia – e ao Ebola, para ainda ser instrumental na descoberta do HIV nos anos 1990. Esse não morre mais, eu acho. Mas, para a maioria de nós, mortais, vacinas são o principal instrumento de saúde pública, superado só pela água potável. Por isso não podemos deixar de educar quem não compreende isso, muitos por não terem sofrido com as doenças para as quais vacinamos justamente porque a vacina existe. Já os que ativamente fazem campanha contra vacinar, esses cometem um crime. Como ouvi de Leandro Karnal: há o anticientificismo engraçadinho, tipo falar em unicórnio e terra plana, e o perigoso, tipo deixar de vacinar. Para esses, eu pergunto: que tal umas férias às margens do Rio Ebola?