Elizabeth Holmes tinha tudo para ser uma nova bilionária do Vale do Silício. Abandonara o curso de química na Stanford, vestia jeans e gola rolê preta como Steve Jobs e trazia uma ideia revolucionária: e se houvesse uma máquina que, com uma gota de sangue, nos desse o diagnóstico de todas as doenças que ameaçam a humanidade? E se cada farmácia tivesse uma delas? Seria a revolução de todo o sistema de saúde. Holmes apresentava esse futuro com olhar azul etéreo, magra, alta e loira. Investidores bilionários como Rupert Murdoch e estadistas como Henry Kissinger investiram nela. Criou-se uma megaempresa, avaliada em bilhões de dólares, em Palo Alto: a Theranos. O nome da máquina? Edison. Porque seria a nova lâmpada, entende?
Só havia um problema: era tudo mentira. O documentário The Inventor, da HBO, conta como, por anos, Holmes mentiu deslavadamente e falsificou resultados. Conseguiu até aprovar licença na FDA, a Anvisa americana. Acabou denunciada por cientistas empregados na empresa, que, chocados com a falta de transparência e o ambiente velado dentro da companhia, suspeitaram de fraude. Ao confrontar seus chefes, foram ameaçados com processos civis e demissão. Alguns pagaram para ver e levaram as informações ao Wall Street Journal. Holmes negou ainda por meses, colocou barreiras legais para evitar revelar detalhes do funcionamento da máquina.
A Edison era falsa – funcionários no laboratório corriam a produzir os resultados apresentados. Investidores e sociedade ficaram em choque. Elizabeth foi processada em 2018, e a Theranos hoje não vale nada. Tudo podia ter sido evitado se tivessem escutado a professora de bioquímica da Stanford Phyllis Gardner, que fundou e faz consultoria para startups de biotecnologia. Phyllis sempre explicou tecnicamente por que a Edison era impossível, não tinha como funcionar.
Esse episódio é quase exemplar de aspectos chaves da nova economia, lembrando o da fosfoetolamina. Existe um sistema constante de checagem de resultados na ciência, abrigado principalmente nas universidades, que não permite que as fraudes se sustentem muito tempo. Ele é baseado em transparência e reprodutibilidade. Não importa se alguém apresenta algo lindo: se não conseguirmos repetir isso no Japão, na Holanda e no Brasil, por exemplo, provavelmente não é verdade. E não importa se alguém importante não gosta de um resultado de um colega menos graduado – se todos conseguem repeti-lo, é isso o que vale. Biotecnologia é algo infinitamente mais complicado do que software – requer uma quantidade muito maior de recursos econômicos e humanos. Não há como progredir nessa área sem o apoio das universidades – os investidores bilionários da Theranos aprenderam isso da maneira mais dura. E, por isso, os custos da ciência precisam vir de impostos – pesquisadores universitários trabalham para o público, não para um dono. Nosso trabalho implica em desbaratar mentiras e mentirosos. Não é à toa que alguns nos odeiam apaixonadamente.