Meu filho me pediu para escrever sobre vacinas. Ele nunca deu palpite sobre minhas colunas no jornal, não trabalha com ciência. Como a maioria dos adolescentes, joga futebol e videogame, estuda, sai com os amigos, assiste a vídeos e filmes, ouve música. Meu filho, que eu amo mais que tudo no mundo, tem saúde. Meu filho está vivo. Ao contrário de mais de 300 crianças que morreram por vírus zika no Brasil nos últimos três anos. Ou dos bebês perdidos por toxoplasmose neste ano em Santa Maria. Ou das milhares de crianças que morrem todo ano no mundo ao se infectarem com VSR, o vírus respiratório sincicial. Ou daqueles milhões de filhos perdidos por suas mães para o HIV.
Leia a reportagem:
Vacinação diminui e novos surtos ameaçam o Brasil. O que explica esse retrocesso?
Zika, toxoplasma, VSR, HIV: doenças para as quais não existem vacinas. O que surpreendeu o meu filho não foram esses tristes números; ele já é adulto o suficiente para aceitar que coisas incompreensíveis e inomináveis acontecem. Seu choque veio ao ter lido que há crianças morrendo hoje de doenças para as quais há décadas existem vacinas. De doenças que praticamente estavam eliminadas da população, como sarampo e poliomielite. E que isso acontece porque pais, que supostamente amam seus filhos mais do que tudo, deixaram de vaciná-los.
A única forma de erradicar uma doença é com uma vacina. Vacinas não funcionam em todos os indivíduos, assim como o mesmo analgésico ou antitérmico não funciona em todo mundo da mesma forma – porque somos diferentes. Vacinas funcionam muito bem na maioria das pessoas, e assim bloqueiam a transmissão do agente infeccioso dentro de uma população. Quanto menos indivíduos são vacinados, maior é a chance de contágio – e de doença. Mais pessoas são infectadas, e adoecem – e morrem – aqueles em que a vacina não funciona tão bem.
Assim, se um governo descuida da vacinação, doenças mortais retornam. Se aumenta a pobreza, crianças deixam de ter acesso a postos de saúde. Gradualmente, as doenças voltam. Contudo, ao redor do mundo, pais e mães estão deixando de vacinar seus filhos. E, assim, expõem a perigos mortais não apenas eles, mas todos nós.
Quando meu filho tinha seis anos e moramos nos Estados Unidos, a escola ofereceu um formulário no qual eu podia assinalar que me recusava a vacinar meu filho para o sarampo. Lembro da reação assombrada da professora quando respondi, indignada, que aquilo era um crime. Ele já havia sido vacinado no Brasil, e ninguém devia ter a opção de não vacinar. Naquele momento, eu soube que o sarampo retornaria.
A mortalidade infantil aumentou neste ano passado pela primeira vez no Brasil após 15 anos de queda. Nunca a informação foi tão acessível, qualquer um pode observar os gráficos de queda quase absoluta de pólio e sarampo nos anos 1960, quando suas vacinas foram instituídas.
Os próprios pais acomodaram-se em um mundo confortável, onde poucos se lembram do que era perder um filho para a varíola. Ou de que ter seu filho deficiente para sempre podia ser considerado sorte se sobrevivesse à pólio. Por todos os filhos: ou lembramos, ou nos entregamos de vez às trevas.