No cinema, sempre tive uma queda por aquele personagem problemático, que ninguém mais espera que contribua com algo bom, porque ultimamente tudo aquilo em que se mete dá errado. Até que, em um momento crítico da trama, revela possuir o poder para salvar o dia – e salva, mesmo parecendo não querer. Wolverine, Han Solo, Bruce Banner, John McLane: o herói relutante, ao erguer-se da condição de quase pária para se redimir ao revelar um oportuno e inesperado potencial para o bem, é um pilar das melhores histórias.
Os vírus, normalmente fontes de incomodação como a gripe, ou dramas como a aids, vêm emergindo como um novo e inesperado personagem dessa categoria. Neste ano, a Merck e a Johnson & Johnson compraram empresas de biotecnologia especializadas em fabricar vírus oncolíticos, num investimento que soma US$ 1,5 bilhão. O gasto das duas gigantes farmacêuticas em uma terapia ainda emergente surpreendeu o mercado. Há décadas, cientistas vêm tentando desenvolver terapias antitumorais baseados na observação de certos pacientes de câncer com infecções virais que entram em remissão. A base da terapia é que, ao infectar a pessoa, o vírus infecta também as células tumorais. O corpo gera uma resposta imune que elimina as células infectadas – incluindo o tumor.
Os cientistas que trabalharam no potencial dos vírus para eliminar doenças são como o velho treinador Mickey sussurrando para um Rocky abatido.
O entusiasmo vem provavelmente de duas fontes. A primeira foi a liberação em 2015 de um vírus herpes modificado para tratar melanoma. A segunda, os resultados do primeiro estudo clínico de terapia gênica em humanos com 100% de sucesso. A cada 50 mil meninos, um nasce com uma mutação no gene de uma enzima que é fundamental para o desenvolvimento do sistema imune. Esses garotos não conseguem se defender da maioria das infecções, e são conhecidos como os meninos da bolha de plástico – tudo, inclusive o ar que respiramos, precisa ser esterilizado antes de chegar a eles. Sem esse tratamento, a estimativa de vida dessas crianças é de dois meses. Pesquisadores do St. Jude Hospital, em Memphis, geraram um vírus que infecta células da medula óssea e devolve a enzima. Neste ano, sete dos oito meninos que receberam o vírus mostraram desenvolvimento completo das células imunológicas, sendo que o oitavo começou a responder recentemente. Esse resultado será o fator de virada de jogo de que a terapia gênica vinha necessitando. Será também um marco na história da edição gênica de humanos.
Todo herói relutante precisa de alguém que acredita no seu potencial. Cientistas que trabalharam no potencial dos vírus para eliminar doenças, acreditando neles contra todo o senso comum, são essenciais na trama. São o velho treinador Mickey sussurrando para um Rocky abatido, “vamos lá, garoto, você consegue”.
Prepare a pipoca. Essa história está só começando.