No inicio deste ano, a Nasa fez história mais uma vez ao divulgar os resultados preliminares de um projeto único: mandar pela primeira vez um astronauta para o espaço, deixando na Terra seu gêmeo idêntico, e monitorando o par ao longo de mais ou menos um ano. Os irmãos Scott e Mark Kelly são os únicos gêmeos idênticos astronautas. O estudo na Nasa analisar o que acontece, por exemplo, na falta da gravidade, com um humano – monitorando ao mesmo tempo seu “clone” em condições normais na Terra.
Primeiramente, houve confusão quando a imprensa anunciou que o gêmeo no espaço sofrera modificações genéticas, comparado ao gêmeo na Terra. Em geral, conhecemos isso como mutações – alterações no código genético, que são a base da evolução das espécies, e que em indivíduos podem gerar doenças.
A Nasa analisa o que acontece com um humano no espaço, monitorando ao mesmo tempo seu "clone" na Terra
Se fosse verdade, isso teria implicações profundas e definitivas, e os cientistas imediatamente precisaram corrigir o pânico gerado. Não ocorreram mutações genéticas na sequência do DNA de Scott Kelly, e sim modificações epigenéticas – alterações na atividade de certos genes. Corpos diferentes são fruto de diferentes sequências gênicas (exceto gêmeos idênticos, cuja sequência é igual).
Todas as células de um mesmo corpo possuem a mesma sequência de DNA; o que muda entre uma célula da pele e um neurônio é o funcionamento de certos genes, o que chamamos de expressão. Ao longo do desenvolvimento, essa expressão é regulada por mudanças que chamamos de epigenéticas. Se a sequência de DNA é a partitura da música, a epigenética é a execução – como se toca: allegro, pianíssimo etc. As mutações são herdadas pelos filhos; as mudanças epigenéticas são reversíveis. Podemos ligar ou desligar genes de acordo com a necessidade – frio, calor, gravidade.
Estudos de epigenética começaram há muitos anos, muito devido a um gêmeo idêntico desenvolver uma doença e o outro querer saber se também desenvolveria. Viuse que a mesma sequência de DNA, em corpos diferentes, com diferentes experiências, poderia ter um comportamento diferente. Hoje, estudam-se inclusive alterações epigenéticas que ocorrem em traumas psicológicos, como os que acometem refugiados ou prisioneiros de guerra. Ha alguns anos, estudos sugeriram que mudanças epigenéticas ocorridas em sobreviventes de campos de concentração poderiam ser herdadas por sua descendência.
Em plantas, isso é comum: espécies trazidas de climas quentes para países frios modificam epigeneticamente seus genes de floração, e isso é transmitido pela semente. O quanto isso acontece em humanos é difícil ainda estimar. Estudos como o dos gêmeos no espaço irão nos ajudar a entender isso. Carl Sagan dizia que somos feitos de estrelas – os mesmos elementos químicos que as compõem são a base dos nossos corpos – e do nosso DNA. Quem sabe nossa vocação é mesmo voltar para o espaço, para que possamos descobrir quem realmente somos – ou podemos ser.